Crise ecológica e previsões de tsunamis no Nordeste brasileiro
Por Ivonaldo Neres Leite
Registra a história dos estudos ambientais que quando, na década de 1990, pesquisadores como Simon Day (University of California) e Steven Ward (University College London) publicaram seus papers alertando para a possibilidade de uma catástrofe futura decorrente da erupção do furação Cumbre Vieja, localizado nas espanholas Ilhas Canárias, foram muitos os que, mesmo na comunidade científica, desvalorizaram os resultados realçados por seus trabalhos.
Day e Ward sinalizavam um cenário de proporções
internacionais, no mínimo, preocupante. Formularam a hipótese segundo a
qual uma futura erupção do Cubre Vieja fará com que a sua
metade ocidental (em torno de 500 km³, com uma massa de cerca de 1,5 x
1015 kg) colapse catastroficamente em um grande deslizamento gravitacional,
adentrando no Oceano Atlântico, e gerando uma megatsunami. Os
destroços continuariam a viajar como um fluxo de detritos ao longo do leito do
oceano.
A modelagem computacional permitiu inferir que daí
resultaria uma onda inicial que poderia atingir uma amplitude local (altura)
acima dos 600 metros, viajando a cerca de 1000 km por hora (velocidade
aproximada de um avião a jato), inundando o litoral da África Ocidental em
torno de uma hora depois, o litoral sul do Reino Unido em 3,5 horas e chegando
ao continente americano entre seis e oito horas. A hipótese de Day e Ward
sugere que, em princípio, até 25 km do interior dos continentes seriam tomados
pela água. Tratar-se-ia, portanto, de uma megatsunami global, ceifando vidas e
causando destruição numa escala inimaginável.
Estudos posteriores estimaram que eventos de colapso
lateral em estratovulcões, similar à ameaça representada pelo flanco ocidental
do Cumbre Vieja, poderiam aumentar em decorrência dos efeitos
físicos do aquecimento global sobre a terra, aumentando também a frequência das
erupções. Esse aspecto, na medida em que se afigure como fático, evidentemente
faz com que os riscos em torno das “manifestações” do Cumbre Vieja deixem de
ser atribuídos à inerência da própria natureza. A precipitação de eventos
deverá então ser correlacionada a uma variável externa, isto é, à ação humana.
Na época (década de 1990), a reação dos críticos a
perspectivas como as sustentadas pelos trabalhos de Simon Day e Stven Ward pode
ser referida, parece, como inconsistente, e provavelmente continuam a sê-lo.
Afirma-se, por exemplo, que os resultados dos trabalhos dos dois pesquisadores
eram apenas ‘simulações de computador’, desconsiderando-se, contudo, o acerto
dessas simulações em casos como o ciclone que atingiu a costa sul do Brasil em
2004, causando grande destruição no estado de Santa Catarina com ventos de
cerca de 180 km.
Seja como for, mais recentemente, o geofísico Nazli
Ismail (Departamento
de Física da Universidade Syiah Kuala, de Banda Aceh, Indonésia) não só
reiterou os resultados dos papers de Day e Ward como chamou a
atenção para a possibilidade de tsunami atingir o litoral do Nordeste
brasileiro, com forte incidência em estados como a Paraíba.
Parece ser despropositado ignorar por completo o
significado de tais alertas, que não são meras simulações de computador, mas
sim resultados de pesquisa com forte base empírica. A exemplo de cidades como
Valparíso, no Chile, que convivem com a ameaça de tsunamis, era de se esperar
que cidades nordestinas, como João Pessoa, tivessem um forte sistema de
monitoramento e planos de emergência para uma eventual necessidade de evacuação
da população, além de desenvolverem um consistente programa de educação
ambiental para manter a população devidamente consciente da situação. Um
programa cientificamente orientado, que não seja tão-somente uma seleção de
informações superficiais, tal qual ocorre em determinadas atividades ditas de
'sensibilização ambiental'. Afinal, o caso pessoense é paradigmático: na
ocorrência de um evento da referida magnitude, a cidade tem, no básico, apenas
uma via de saída, que é a BR 230, já que a 101 margeia o Atlântico.
Tratar desse tema com a racionalidade devida é uma
condição imprescindível para evitar a disseminação de falsas informações e, em
última instância, a propagação do pânico. Isso não significa, contudo, ignorar
a dimensão dos riscos.
Do filme ‘O Impossível’, baseado na história real de uma família que é apanhada pela tsunami de 2004 na Tailândia - enquanto lá passava férias -, pode-se tirar uma ilação que deveria servir de axioma em face da crise ambiental que ameaça o planeta: a vida humana é quase nada diante da “fúria” da natureza.
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