A realidade para além da aparência: a pesquisa em Educação Popular e os passos para realizar análise de conjuntura

 


Referência de autoria: Grupo de Estudos e Pesquisas em Educação, Sociedade e Culturas (GEPEDUSC)/CCAE-UFPB/CNPq. Textos de debate e formação diante da renovação do pensamento crítico latino-americano. Mamanguape/PB: 2023.

Conjuntura diz respeito a um conjunto de circunstâncias que configuram determinado contexto ou situação. Ela tem um caráter condicionante, isto é, condiciona, influencia, direciona, etc., as ações, visões, decisões, comportamentos, iniciativas de governos, pautas políticas, etc. Desse modo, no campo educativo, como foi afirmado nas abordagens clássicas da Educação Popular, é necessário considerar que a leitura do mundo precede a leitura da palavra, ou seja, é imperativo que, primeiro, se conheça/compreenda o contexto conjuntural em que a educação está situada. Por outras palavras: a sua realidade concreta resultante das mediações sócio-históricas; do contrário, passar-se-á aos discursos fictícios, descolados da vida real/da prática social, e que estão mais para o ilusionismo dos ‘universos paralelos’.  

Há vários contextos e situações para se fazer análise de conjuntura. Pode ser o contexto municipal, estadual, regional, nacional e internacional. Não se devendo esquecer que, em geral, esses níveis se encontram interligados, e por isso, nessa perspectiva, a análise de conjuntura deve assumir uma natureza totalizadora (global). Mas, também, pormenorizando, a análise de conjuntura pode ser realizada sobre ‘situações setoriais’, como o setor educacional, o setor econômico, o setor cultural, o setor político, etc. Todavia, não se deve perder de vista que essas ‘situações setoriais’ têm uma relação direta com a totalidade nacional dos países aos quais elas pertencem, e até mesmo com a totalidade internacional. A análise de conjuntura permite identificar tendências, interpretar fatos adequadamente, entender a realidade/os seus impactos e definir estratégias/modos de ação diante desses impactos.

De modo especializado, com a assessoria de profissionais preparados, os grandes empresários, através das suas entidades representativas, são um dos segmentos que mais fazem análise de conjuntura, tendo em vista os seus interesses. Nesse sentido, são assessorados por uma vastidão de sociólogos, cientistas políticos, economistas, etc[1]. Em geral, há uma ligação entre essas entidades empresarias e meios de comunicação, de modo que, por exemplo, muitas notícias divulgadas sobre economia em jornais (mídia impressa, radiofônica e televisiva) resultam da análise de conjuntura das referidas entidades empresariais, sempre conforme os seus interesses. Nesse sentido, é comum lermos ou escutarmos, na impressa, expressões como: “diante da atual conjuntura, economistas afirmam que teremos recessão, sendo necessário o governo cortar gastos de áreas sociais, não aumentar salários e reduzir os impostos das empresas.” Trata-se do modo como o establishment usa a análise de conjuntura.

Dessa forma, como se devem pautar os setores críticos, dos quais a Educação Popular faz parte? Por óbvio, tornar uma prática a realização de análise de conjuntura e assimilar a metodologia a seu respeito. No caso da Educação Popular brasileira, por um lado, cabe-lhe superar, em muitos casos, a mera postura reprodutivista de, ao modo do estilo de escrita,  apenas ‘dizer o conhecimento’, uma postura repetitiva e laudatória, e, por outro lado, prezar pela diversidade de ideias, não dando expressão (voluntária ou involuntariamente) a uma variável latente da intolerância que é recusar o debate sobre determinados temas e negar audição a interlocutores que pensam diferente.

De certo modo, a necessidade de fazer análise de conjuntura, no campo da Educação Popular brasileira, cultivando ademais o debate plural, significa retomar uma tradição nessa área que remonta, por exemplo, aos clássicos Cadernos latino-americanos de  Educação Popular, passa pelas contribuições de Herbert José de Souza (Betinho) e chega aos atuais aportes sobre o assunto.

Desde logo, a análise de conjuntura feita a partir da EP tem de desvelar o engodo ideológico contido em algumas análises de conjuntura realizadas pelo establishment, e repisadas por diversos meios de comunicação, fazendo aquilo que é próprio da manipulação levada a cabo pelas ideologias: mostrar de forma inversa, e muitas vezes perversa, partes da realidade. Nesse sentido, é fundamental ter em atenção a relação entre conjuntura e estrutura, aspecto esse que costuma ser negligenciado nas análises do establishment.

De maneira concreta, nos grupos populares e em grupos em processo de  formação em EP, o itinerário de pesquisa para realização de análise de conjuntura, de forma coletiva, pode ser apresentado – de modo sintetizado, ressalte-se – como descrito a seguir. São indicativos para a realização de uma análise conjuntura em contexto nacional. Por certo, uma condição fundamental para fazer análise de conjuntura é que se tenha um razoável conjunto de informações a respeito dela.

 

1 – DESCRIÇÃO

1.1 – Definição da escala de tempo.  

1.2 – Informações e fontes (as fontes podem ser listadas ao final da análise; a menção a elas aqui é apenas de natureza didático-pedagógica; ponderar a confiabilidade delas).

- Exemplos de informações a serem consideradas: do quadro econômico e político, fatores ideológicos/culturais, antecedentes históricos, reflexos internacionais...

1.3 -  Caracterizar a estrutura e definir os elementos/atores que a compõem.  

 

2 – ANÁLISE

2.1 – A partir do aportado pela fase da descrição, desenvolver a análise norteada pelas seguintes categorias: acontecimentos, cenários, atores, correlação de forças, articulação entre conjuntura e estrutura.

2.2 – Fio condutor de interligações.


3 – SÍNTESE

3.1 – Inferências causais extraídas da análise de conjuntura.

3.2 – Ilações acerca do jogo social envolvendo estrutura e conjuntura e do teatro das disputas.

3.3 – Delineamento de tendências.

 

4 – QUADRO DE INTELIBILIDADE PARA ORIENTAR A AÇÃO

4.1 – Subsídios e sugestões para nortear a ação dos atores populares diante dos desafios da conjuntura analisada.  


Referências

CEDIB – Equipo Educación y Equipo Poder Local. ¿Qué es y cómo se hace análisis de coyuntura?. Cochabamba/Bolívia: 2006.

DE SOUZA, Hebert José. Como fazer análise de conjuntura. 27 ed. Petrópoles: Vozes, 1984.

HARNECKER, Marta; URIBE, Gabriela. Cadernos de Educação Popular. Vols. 1, 2, 3, 4, 5, 6, 7. São Paulo: Global, 1979.

LEITE, Ivonaldo. An education for outsiders: Popular Education. Jounal for Critical Education Policy Studies, vol. 19, nº 2, London, 2021, p. 105-143.

PEREIRA, William Cesar C. Dinâmica de grupos populares. 4 ed. Petrópolis: Vozes, 1986. 

 


[1] Sociólogos como Paulo Delgado e cientistas políticos como Bolívar Lamounier são exemplos de assessores de entidades empresarias.

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