Ética e Educação: implicações e os comportamentos inescrupulosos


Extratos de entrevista da Profa. Isabel Baptista (Universidade Católica Portuguesa) à Revista A Página da Educação (Porto, Portugal), a propósito do seu livro Dar Rosto ao Futuro: A Educação como Compromisso Ético.

Conceitos como Ética, Moral e Deontologia situam-se, por vezes, em fronteiras pouco definidas e nem sempre são utilizados de forma clara. Para entendermos o que é a chamada ética docente?, quer explicitar o que, na sua opinião, se pode entender por cada um destes conceitos? 

Na linha de pensamento de autores contemporâneos, como Paul Ricoeur e Emmanuel Lévinas, entendo a Ética como uma reflexão de carácter filosófico sobre os princípios e valores que devem orientar o ser humano - noções como o bem, o mal ou a justiça. A Moral, que se articula com a ética e dela não pode ser dissociada, implica uma formalização de normas de conduta que terão de estar de acordo ou subordinadas àquilo que entendemos por valores éticos, obrigando, no fundo, a considerar o primado da Ética sobre a Moral.
Esta distinção não significa que exista um distanciamento entre as duas, pelo contrário. E para a profissão docente isto é muito importante. Porque a Ética não é um assunto apenas reservado a especialistas ou a filósofos. Portanto, gostaria de salientar que entre a reflexão ética e a vida moral existe uma ligação íntima, um trânsito permanente. A Deontologia é uma moral, mas é uma moral profissional. E aqui levanta-se a tal questão muito debatida hoje: até que ponto se justifica haver uma moral profissional? Não bastará uma moral comum?

E qual é o seu ponto de vista a respeito?

O ideal seria que, pela própria formação ‘moral comum’, da formação pessoal, a pessoa soubesse se pautar na profissão ou na atividade à que se dedica, por exemplo, como professor, como pesquisador ou, no processo formativo, como graduando, mestrando e doutorando. Mas, sobretudo no contexto atual, há plágios os mais diversos, são realizadas  manobras de bastidores, às ocultas, até para convocar reuniões,  quando estão em pauta interesses pessoais, jogos de impressão são jogados (o ‘gerenciamento de impressão’, referido por Goffman), enfim, uma imensidão de falta de escrúpulos. Num contexto desse, a ‘moral comum’, da própria formação, não funciona. Não funciona porque a pessoa que age de tal modo não tem escrúpulos ou não teve o devido lastro de formação ética. O que tem são comportamentos inescrupulosos. 

Partindo dessa reflexão, concorda ou não com o estabelecimento de código deontológico?

As regras são importantes na medida em que ajudam a orientar-nos na nossa acção e a relacionarmo-nos melhor com o outro e não para nos protegermos ou para dissimular os erros das pessoas com quem temos proximidade e condenar as outras pessoas, crucificando-as. Isso afronta o princípio da ideia de justiça, de ser justo, isto é, agir conforme a justa medida das coisas. Na concepção ética que defendo parte-se de uma visão positiva do outro. Porém, a forma como este debate tem sido abordado remete a palavra código para uma visão burocratizada que não faz sentido,

Tem vindo a crescer a ideia de uma posição mais diretiva do docente. Pela sua parte, tem falado em princípio da autoridade do professor. O que quer dizer?

Eu julgo que a autoridade é um dever ético dos professores. Mas a autoridade não tem de basear-se no autoritarismo, porque a autoridade do professor decorre da sua própria presença pedagógica, que tem de ser respeitada e aceite. O professor tem de saber passar um testemunho, saber que é um adulto de referência e assumir-se como tal. Ser responsável na profissão e competente no que faz, para fazer os alunos progredirem.  Daí vem a sua autoridade, e esse é de facto o princípio da autoridade que tenho vindo a defender.

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