GEPEDUSC realizará painel durante o Encontro da ANPEd: Reconfiguração da Educação Popular e crise ecológica
Prof. Carlos Machado (FURG/RS) |
O
trabalho situa-se no campo das discussões sobre a refundamentação da Educação
Popular e das suas abordagens sobre as novas temáticas contemporâneas, como a
crise ecológica. Define como problemática de análise a relação entre uma
concepção de Educação Popular reconfigurada e a crise ecológica, em função das
questões e desafios que dela decorrem. Metodologicamente, trata-se de um
trabalho construído a partir de investigações teóricas e empíricas. Entre
outros achados, os seus resultados colocam em realce os seguintes: 1) um
significativo debate na América Latina a respeito da refundamentação da
Educação Popular; 2) o desenvolvimento de experiências renovadoras do seu
marco, como as iniciativas em contextos de violência na Colômbia, os
Bachilleratos Populares na Argentina, as ações em prol de uma Educação
Ambiental Popular no México; 3) problemas resultantes da crise ecológica, como
os seus impactos sobre os setores populares, que demandam abordagem da Educação Popular. Conclusivamente,
afirma-se, por exemplo, que é necessário resgatar o imaginário humano da
dependência psicossocial à qual ele está submetido pelo mercado, com isto
significando demonstrar e denunciar a programação das pessoas como consumidoras
subordinadas às estratégias de marketing para que elas adquiriram produtos
prejudiciais e inúteis, muitas vezes fabricados em condições degradantes do
meio ambiente.
Palavras-chave: Educação Popular reconfigurada; crise
ecológica; meio ambiente; formação.
Prof. Zacarias Marinho (UERN/POSEDUC) |
PERSPECTIVA DO PAINEL
1. Introdução
Neste
trabalho, tenho em atenção a relação entre uma concepção reconfigurada da
Educação Popular e a crise ecológica. Mais concretamente, a problemática do
trabalho consiste em, diante das transformações paradigmáticas e dos fenômenos
contemporâneos, evidenciar a necessidade de refundamentar a Educação Popular no
sentido de que ela se abalize analiticamente
para tratar de questões que, do ponto de vista social e educativo, têm
marcado os dias atuais. Nessa perspectiva, o foco de referência empírica da
problemática é a crise ecológica. O trabalho resulta de um conjunto de
investigações que tenho desenvolvido, sob os auspícios do CNPq, no âmbito da
Universidade Federal da Paraíba/Centro de Ciências Aplicadas e Educação. São
investigações tanto teóricas como empíricas, utilizando, neste último caso,
como recurso metodológico para levantamento de dados e informações, a
observação relacional e a entrevista semiestruturada, e, para tratamento do
material empírico, a análise temática.
Como decorrência das referidas investigações, na démarche a
seguir, apresento alguns dos resultados
obtidos, realizando, ao mesmo tempo, em modo de discussão, o seu escrutínio.
2. Resultados e discussão: ontem, agora e a Educação Popular diante da crise ecológica
O
período entre o fim da década de 1980 e os primeiros anos da de 2000 foi
marcado por um significativo impacto resultante do que, de forma mal definida,
ficou conhecido como ‘crise dos paradigmas e das utopias’. Foi um tempo
marcado, entre outros acontecimentos,
pelo rescaldo da tsunami política que representou a queda dos regimes ditos ‘socialistas’ do
Leste Europeu, pelo fim da então União Soviética, pela assunção da ideia de
‘fim da história’ (no sentido de vitória final do capitalismo), pela ascensão
da globalização e pela hegemonia do neoliberalismo. Nesse terreno, prosperou
uma determinada perspectiva anti-razão - refratária ao pensamento iluminista -
segundo a qual ‘não existe verdade’, apenas narrativas diferentes e discursos
sobre discursos. Desse modo, teria deixado de fazer sentido empenhar forças em
prol de utopias (classificadas como ‘ilusórias metanarrativas’), decorrendo
disso, entendia-se, o colapso de escolas de pensamento que, historicamente, têm
o compromisso com a mudança social registrado no seu cerne.
Essa
realidade impactou o campo da Educação Popular, tendo em vista ela ser
tributária dos projetos de transformação social do século XX e ter relação com
o marco conceitual do iluminismo, mesmo que, por vezes, essa relação seja
ambivalente. Ademais, não parece haver dúvidas de que a sociedade do século XXI
não é a mesma da época em que emergiu a versão clássica da Educação Popular nos
anos 1950/1960. Sob os mais variados aspectos, o mundo de hoje é outro.
Como
decorrência do referido contexto de crise e dos novos cenários sociais, teve
lugar na América Latina um debate – amplamente desconhecido no Brasil – a
respeito do futuro da Educação Popular, debate
este que, conforme Mejía (1996) o
sintetizou, oscilou entre três
posicionamentos: 1) o que afirmava que a Educação Popular teria perdido o seu
sentido, podendo então falar-se de seu fim; 2) o que, diante da nova
conjuntura, assinalava que nada a tinha atingido, devendo, portanto, a Educação
Popular continuar repetindo os mesmos
discursos do passado, sem nenhuma alteração; 3) o que enfatizava que o novo
cenário requeria que a Educação Popular fosse refundamentada, sob pena de
tornar-se residual e não dialogar com a efetiva realidade contemporânea dos
setores populares.
Não
vou, aqui, denominar os agentes de cada um desses posicionamentos e enfocar as
especificidades das suas abordagens. Não há espaço para isso. Limitar-me-ei apenas a realçar elementos que
traduzem bem a natureza de tal debate. Um desses elementos refere-se a alguns dos títulos
dos trabalhos produzidos no ambiente da discussão, quais sejam: 1) Educación
Popular hoy: entre su refundamentación o dissolución (Mejía, 1996); 2) Saldando
cuentas con la refundamentación (Carillo, 2007); 3) Refundamentación político
pedagógica de la Educación Popular en la transición al siglo XXI (Puigrros,
1996); 4) Educación Popular hoy – en tiempos de globalización (Mejía &
Awad, 2007); 5) Educação Popular, ontem e hoje: perspectivas e desafios (Leite, 2016). Outro elemento que pode
ser mencionado concerne ao abandono, por parte de próceres teóricos, de
abordagens que eles desenvolveram e que serviram de referência à Educação
Popular. Este é o caso, por exemplo, do teólogo Clodovis Boff, um dos
formuladores da teologia da libertação, perspectiva essa que serviu (e
serve) de inspiração a muitas ações em
Educação Popular. Em 2007, Clodovis Boff realizou uma autocrítica e fez duros
questionamentos à teologia da libertação (Boff, 2007), sendo, por outro lado,
severamente criticado por seu irmão, também teólogo, Leonardo Boff, que se
disse perplexo com a nova postura de Clodovis e o acusou de estreiteza (Boff,
2008).
Esse
foi o cenário que emergiu, no contexto da Educação Popular latino-americana,
como decorrência da referida ‘crise dos
paradigmas e das utopias’. Mas foi também nesse cenário que, aqueles/as que
pugnavam (e pugnam) pela refundamentação da Educação Popular’, para assegurar a
sua vigência vitalizada, se empenharam na busca de conhecer/entender os novos
fenômenos sociais para, tanto do ponto de vista da formulação teórico-analítica
como da intervenção na realidade, sistematizar novas modalidades conceituais e
de ação concernentes ao fazer educativo popular. Não poucas vezes, contudo,
eles têm sido incompreendidos, sendo questionados – e mesmo atacados – por
segmentos que se mantêm, sectariamente, atados a visões da Educação Popular dos
anos 1960.
Seja
como for, nos últimos tempos, diversas experiências renovadoras da Educação Popular têm sido desenvolvidas em
diferentes países da América Latina. As iniciativas de intervenção em contextos
de violência na Colômbia (Munõz e Meza, 2004), os Bachilleratos Populares na
Argentina (Alfieri e Lázaro, 2019), as ações em prol de uma Educação Ambiental
Popular no México (Reyes et al., 2016), etc., são exemplos tidos como
referência a esse respeito.
O meu
pressuposto relativo à Educação Popular é, portanto, de uma Educação Popular
reconfigurada, entendendo, conforme as investigações que tenho desenvolvido,
que é ela que permite tratar, com fiabilidade, de problemáticas atuais, como a
crise ecológica. A propósito desta, muitos dos cenários descritos pelo Painel
Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) da ONU terão lugar não em
2100 ou 2050, como, a princípio se imaginava, mas antes disso. Nesse sentido, no
Brasil, são exemplificativos fenômenos como a tragédia que atingiu o Rio Grande
do Sul em 2024 e, na Paraíba, a complexa situação urbana da cidade da Baía da
Traição, decorrente do avanço do mar, como efeito do derretimento das calotas
polares provocado pelo aquecimento global. Além disso, o aumento das
temperaturas cria condições à expansão de doenças transmitidas por mosquitos,
como dengue, zika e chikungunya.
Os dados e
informações sobre a
efetividade do aquecimento global são muito consistentes. Tanto do ponto de vista quantitativo,
no que diz respeito
à série estatística longitudinal, quanto do ponto de vista qualitativo,
no que se refere ao aporte da retrospectiva
histórica acerca do
modelo de desenvolvimento adotado pelo modo capitalista de
produzir.
Concretamente: está
demonstrado que a camada de gelo
do polo norte
sofreu uma significativa redução
nas últimas décadas
e que a
cobertura gelada da terra diminuiu. Conforme dados que
sistematizei em outro local (Leite, 2016), há evidência de
que a espessura
de gelo do polo norte sofreu uma redução de cerca
de 40% e que a
cobertura gelada da terra, desde a década de 1960, foi reduzida
em torno de
10%. No tocante às emissões
de gases, os
níveis de dióxido
de carbono aumentaram
intensamente com a industrialização do mundo, agravando o
efeito estufa. Daí tem-se o registro de que a elevação da
temperatura da terra sofreu um aumento de cerca de 0,6C no século passado.
Diante
de tal contexto, emergem, entre outros, dois fatos causais, isto é, fatos que
causam outros fatos: 1) o conflito em torno das pautas socioambientais, como
resultado de diferentes interesses em jogo; 2) o modo como as consequências da
crise ecológica atinge de forma distinta os diversos segmentos da população,
com os principais danos recaindo sobre os setores populares, o que, então,
inscreve na agenda de debates a necessidade de se considerar a questão da
justiça socioambiental. O debate público e a ação formativa (nas escolas e fora
delas) em torno desses fatos, assim como
de outros oriundos da crise ecológica, requerem uma perspectiva instituinte, ou
seja, uma perspectiva educativa que não se limite a reproduzir os marcos das
estruturas instituídas em matéria de meio ambiente, conforme é comum nas
abordagens naturalistas da educação ambiental.
É
pouco provável que, para assumir essa incumbência, outra concepção educativa esteja melhor posicionada do que a
concepção representada pela Educação Popular,
pelo seu caráter sócio-histórico alternativo, devendo, contudo, para tanto,
dotar-se de credenciais epistemológicas, refundamentando-se, no sentido de
fazer frente ao desafio cognitivo e social que lhe está posto. Poderemos,
assim, avançar para o que, incipientemente, se chama de Educação Ambiental
Popular (Leite, 2020).
3. Conclusão
Neste
trabalho, foquei uma concepção reconfigurada da Educação Popular e a sua
relação com a crise ecológica. De forma específica, tive como problemática de
abordagem a necessidade de sua refundamentação, diante das transformações
paradigmáticas e dos fenômenos contemporâneos, objetivando credenciá-la
analiticamente para tratar de questões como as decorrentes da crise ecológica.
Em modo de conclusão, e como desdobramento da discussão realizada no texto,
apresento três reflexões sintetizadas a serem consideradas pela Educação
Popular reconfigurada na abordagem das urgências resultantes da crise
ecológica, conforme já as enfatizei em outro fórum científico (Leite,
2023).
A
primeira diz respeito à necessidade de realçar uma ‘regra verde’ como indicador
central de pilotagem da economia, substituindo a dita ‘regra de ouro’ das
políticas de austeridade e de ajuste estrutural do Banco Mundial e do Fundo
Monetário Internacional.
A
segunda refere-se ao planejamento ecológico, tendo em atenção o longo
prazo e enfatizando que o problema não é propriamente a indústria e o uso de
técnicas na relação com a natureza, mas, sim, a ausência de critérios no modo
de tratar o meio ambiente e a falta de controle cidadão diante da ação
predatória da acumulação econômica.
Last
but not least, a terceira reflexão concerne à esfera
axiológica-simbólica, muito própria da educação, e incide sobre a formulação de
abordagens e a disputa de ideias. Trata-se, por exemplo, de resgatar o
imaginário humano da dependência psicossocial à qual ele está submetido pelos
ditames da lógica do mercado. Isto significa, entre outras coisas, demonstrar e
denunciar a programação das pessoas como consumidoras dóceis, subordinadas às
estratégias dos especialistas de marketing comercial para que elas adquiriram
produtos prejudiciais e inúteis, muitas vezes fabricados em condições de
trabalho indignas e degradantes do meio ambiente.
Referências
ALFIERI,
Ezequiel; LÁZARO, Fernando. Lo político pedagógico: los Bachilleratos Populares
en Argentina. Revista Cocar, v. 13, nº 27, 2019. Disponível em:
< https://periodicos.uepa.br/index.php/cocar/article/view/2819/1239>
Acesso em: 02 Mar. 2025.
LEITE, Ivonaldo. Medio ambiente y crisis ecológica: aportes hacia una educación ambiental emancipadora. III Congreso Agua, Amiente y Energía. Montevideo/Universidad de la República, 2023. Disponível em: <https://www.fing.edu.uy/imfia/congresos/caae//assets/trabajos/new/Trabajos-Poster/31_Crisis_ecol%C3%B3gica,_el_futuro_y_los_aportes_hacia_una_educaci%C3%B3n_ambiental_emancipadora.pdf> Acesso em: 03 Mar. 2025.
LEITE, Ivonaldo. Sobre a Educação Ambiental Popular: bases e perspectivas. XXV Encontro de Pesquisa Educacional do Nordeste/Reunião Científica da ANPEd – GT 06 – Educação Popular. Salvador: Faculdade de Educação/UFBA, 2020.
MUNÕZ,
Jairo; MEZA, Fabio Alonso. Educación Popular y educación para la paz en
Colombia: herramientas para transformar el conflicto. Papeles, nº 88, 2004. Disponível em: < https://www.fuhem.es/papeles_articulo/educacion-popular-y-educacion-para-la-paz-en-colombia-herramientas-para-transformar-el-conflicto/>
Acesso em: 03 Mar. 2025.
REYES, Etzeli
I. Morales; CEDILLO, Jesús Gastón G.; PLATA, Miguel Ángel B. Educación
Ambiental Popular para el manejo sustentable de recursos naturales en una
localidad rural del subtrópico mexicano. Sociedade & Natureza, 28(1), 2016. Disponível em: < https://www.scielo.br/j/sn/a/n8H6BvNtMmzmydKjGwBYf7F/?lang=es>
Acesso em: 03 Mar. 2025.
Comentários