Ritmanálise como método: Lefebvre e o sentido da vida cotidiana

 



Por Thaís Amorim Aragão (Doutora em Comunicação)

Iniciando o último semestre antes da qualificação de doutorado, encontro-me às voltas com a ideia de ritmanálise como método para abordar processos midiáticos observáveis na prática de fazer mapas sonoros. Embora possamos identificar mapas sonoros como um tipo de plataforma cartográfica colaborativa disposta na internet, onde se encontram áudios de gravações ambientais geolocalizadas, eles não interessam a esse estudo meramente em seu aspecto “mídia”. Antes, interessa o processo que envolve sua produção e que eles tangenciam, pois tomá-los como objeto – ao invés de processo – poderia, entre outros problemas, aplanar as camadas de mediação implicadas nele. Tal processo, mais dinâmico, relaciona-se desde a uma postura de escuta ativa diante do ambiente, passando pelo manuseio de aparelhos para gravação, até chegar ao desenvolvimento e utilização dos mapas sonoros propriamente ditos. No atual estágio da pesquisa, estou me referindo a esses subprocessos, ou práticas constitutivas do processo mais amplo, como momentos. A ritmanálise foi uma ideia originalmente lançada pelo pesquisador português Pinheiro dos Santos, quando radicado no Brasil, e que influenciou o francês Gaston Bachelard na formulação de sua crítica a Bergson, contida na obra “Dialética da Duração”. Para Bachelard, a “durée” [duração] não podia ser tão coesa como concebida por Bergson, e sim descontínua e fragmentada. Revelou-se adequado, portanto, pensá-la em termos de ritmo, numa orquestração intercalada por pausas e retomadas – o que evitaria o desmanche de outras noções importantes, como a de evento. Mais tarde, Henri Lefebvre trabalhou mais a fundo a ideia de ritmanálise, com foco no espaço urbano (externo, público), somando reflexões como a necessidade de “pensar aquilo que não é pensamento”, de dar ouvidos ao ruído, ao corpóreo, ao compassivo e ao concreto. O pensamento de Lefebvre, um teórico reconhecido por sua ideia de espaço social, se apresenta para mim como um importante articulador entre os conceitos e backgrounds teóricos mobilizados adicionalmente pela pesquisa: o espaço (teoria espacial) e o som (“sound studies”). Parece promissor o fato de ele pensar o espaço e o social a partir de uma imaginação acústica, pois leva a crer que aspectos próprios ao sonoro possam ser mais contemplados nesses esforços de teorização. Considerado a quarta obra de sua série sobre a vida cotidiana, o trabalho sobre ritmanálise é o último livro de Lefebvre, lançado postumamente. Quando terminei de ler o livro de Lefebvre, fiquei com muita vontade de conversar com alguém sobre aquelas ideias de ritmo, vida social, sons da cidade, a relação dos fluxos (de pessoas, de coisas) com o capitalismo, a proposta de se debruçar sobre o cotidiano com o corpo e, em particular, com o ouvido. 




 

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