O 'caso Boaventura de Sousa Santos': sobre acusações, fatos e documentos

Passado algum tempo do calor do “clima denuncista” contra o sociólogo Boaventura de Sousa Santos, o trato sereno do caso parece que começa a se impor. Aqui, também, se aplica um axioma dos alvores da ciência: a verdade é filha do tempo, da História. Da parte do Grupo de Estudos e Pesquisas em Educação, Sociedade e Culturas (GEPEDUSC), até pela nossa longa relação e parceira com o mundo acadêmico lusitano, a questão sempre foi abordada com muito equilíbrio, sem juízo de valor prévio, conforme escreveu o nosso coordenador quando o caso veio à tona (aqui: as lições do caso Boaventura de Sousa Santos). O tempo nos tem dado razão, e mostrado que a mentira, mesmo que num primeiro momento produza calúnia e difamação, não resiste à coragem de desmascará-la. Seja em que esfera pública for, principalmente na esfera acadêmica, que, por sua natureza, não é compatível com a dissimulação, a cumplicidade com malfeitos e deve ter um compromisso irrenunciável com o rigor analítico e com a verdade. Tanto no ensino como na pesquisa, na extensão, na gestão e no processo de orientação, onde, por vezes, sob escusas diversas e malfeitos, se deixa de cumprir responsabilidades, e depois se lança mão de mentiras para caluniar e difamar. Essa é uma das dimensões do 'caso Boaventura de Sousa Santos'. A seguir, reproduzimos um texto dele e documentos a respeito.




Coimbra - Portugal, 15 de Agosto de 2025

Por Boaventura de Sousa Santos

Ao longo da minha vida intelectual, sempre aprendi, investiguei, escrevi e transformei o meu trabalho lado a lado com mulheres extraordinárias. Sempre tratei as minhas colegas, estudantes, parceiras de investigação e amigas com lealdade, respeito e diálogo. Reconheço nelas uma parte decisiva daquilo que fui conquistando. Saúdo-as do fundo do coração. É desta experiência concreta de companheirismo e reconhecimento mútuo que chego à conclusão de que a luta contra a injustiça não pode ter tréguas, seja quem for que cometa a injustiça.

​Em Abril de 2023, surgiram num capítulo denúncias falsamente anónimas, dirigidas ao CES e a alguns dos seus investigadores, incluindo eu próprio. Desde logo assumi que o capítulo visava a minha instituição no seu todo, a minha pessoa e mais dois colegas meus em particular. Eu estava de consciência tranquila e um ano depois, em Abril de 2024, o CES criou uma Comissão Independente para investigar as denúncias, a qual produziu um relatório em que eu não era acusado de nada directa ou especificamente. Não contentes com o relatório, treze denunciantes decidiram redigir e assinar uma carta gravemente difamatória para mim e para os meus dois colegas, Maria Paula Meneses (moçambicana) e Bruno Sena Martins (cabo-verdiano). Com base no capítulo, primeiro, e depois nessa carta, fui alvo de uma intensa guerra mediática, bem como de perseguição política por parte do CES, que resultaram num autêntico assassinato do meu carácter. As denunciantes relataram, ao longo do último ano, factos falsos, sem apresentarem uma única prova! Nunca tive acesso às denúncias senão pela imprensa.

Sempre soube que, se confrontasse as alegações apenas com a minha versão dos factos, isso de nada serviria porque, no actual contexto #MeToo, a denúncia é suficiente para a condenação pública. Por isso, tive de recorrer à documentação, por vezes envolvendo pessoas e governos estrangeiros, para que a minha versão, ao contrário da das treze denunciantes, estivesse suportada com provas, assim demonstrando que as alegações delas são falsas. Isso levou tempo. E sei que esse tempo foi prejudicial para a minha imagem. Mas, se o não tivesse feito, teríamos ficado no terreno de versões opostas dos acontecimentos. Não me basta a dúvida, quero que as pessoas, tanto as que me são próximas como as que não me conhecem, tenham a certeza de que as denúncias que aquelas mulheres fizeram contra mim são falsas.

​​​Há mais de dois anos que tenho vindo a ser denunciado nos meios de comunicação social e os meus esforços legais para proteger o meu nome estão paralisados. É por isso que aqui apresento os relatos documentados das minhas relações profissionais com doze das denunciantes. A décima terceira (Miye Tom) frequentou as minhas aulas, mas não foi orientada por mim e não tive qualquer contacto profissional com ela. De facto, só tive contactos profissionais continuados com quatro das denunciantes (Sara Araújo, Teresa Cunha, Aline Mendonça e Élida Lauris). Com a autora principal do capítulo difamatório, retirado em Setembro de 2023 pela editora do livro (Routledge) por violar a lei inglesa contra a difamação (Lieselotte Viaene), tive três reuniões.

​Apresento também documentação sobre as minhas relações profissionais com a única denunciante veladamente mencionada no dito capítulo (Isabella Miranda); com a denunciante que, coincidindo com a publicação do capítulo, deu uma entrevista gravemente difamatória à revista espanhola  El Salto (Moira Millán); com uma denunciante que participou num dos cursos de verão organizados pelo projecto ALICE (Mariana Cabello Campusano); com uma investigadora cujo contrato não foi renovado no projecto ALICE (Carla Paiva); e com mais três denunciantes que, pelas razões e documentos que apresento, não consigo imaginar por que motivo assinaram a carta (Eva Chueca, Julia Krabbe, Gabriela Rocha).

​​​Ao publicar estes documentos estou a abrir mão da minha privacidade. Mas faço-o sem medo e com a certeza de que os documentos falam por si: não houve assédio sexual, moral ou laboral; nem extractivismo. Os documentos não mentem e reflectem as relações profissionais e de amizade que havia entre mim e aquelas mulheres.

​​​​É do conhecimento público que não fui acusado de qualquer irregularidade pelo CES (ver “Porque me demiti do CES parte 2”, que pode ser encontrado em: https://aviagemdosargonautas.net/2025/05/13/porque-me-demiti-do-ces-parte-2-por-boaventura-de-sousa-santos/).

Do meu conhecimento, nem houve qualquer acusação, ou sequer denúncia, nos Tribunais, na ACT - Autoridade para as Condições do Trabalho, ou na Comissão para a Igualdade no Trabalho e no Emprego (CITE), que existe em Portugal desde 1979. Ou seja, as pessoas que me denunciam optaram, conscientemente, por manter o assédio de que se queixam fora da apreciação das autoridades. E fizeram-no porque não querem que eu me defenda dessas acusações segundo as regras dos Tribunais: igualdade das partes. Por esse motivo, tive eu que recorrer aos tribunais civis e criminais para me defender das denúncias de que só tenho conhecimento pelos média e pelas redes sociais.

​​​Talvez porque não sou um actor estimado ou um jogador de futebol que entusiasma as multidões, mas sim um sociólogo que sempre lutou pelos direitos das minorias e dos desfavorecidos, os meios de comunicação social tratam-me de forma diferente. Não me concedem a mesma presunção de inocência que concedem a outros; não publicam textos de homens e mulheres extraordinários que, convencidos da minha inocência, a proclamam publicamente; não têm interesse em divulgar (ou analisar) as milhares de páginas de documentação (como todas as mensagens de e-mail que troquei com as denunciantes) que demonstram que nunca me envolvi em assédio. Em vez disso, os meios de comunicação estão interessados no que chama a atenção distraída do público, no que vende –  manchetes escandalosas, culpa, condenação. Nada mais interessa.

​​​Tenho 84 anos. Esperava que a ação civil para proteger a minha reputação levasse a uma decisão rápida que, de alguma forma, limparia o meu nome. Mas agora, quase um ano após o início da ação, compreendo que estas decisões não terão qualquer efeito útil sobre o meu bom nome. Por esta razão, contrariamente ao que desejava há um ano, iniciei um processo-crime por difamação contra todas as signatárias da carta.

​​Sei que esta declaração pode provocar reacções das denunciantes e, talvez, de figuras públicas e pessoas que acreditem que tomar o partido daquelas que me acusam é, ipso facto, defender vítimas de assédio. Compreendo a preocupação profiláctica. É fácil e gera aplausos instantâneos nas redes sociais. Mas as vítimas não são identificadas como tal sem provas e com a condenação acrítica e sumária daqueles que, durante décadas, lutaram contra a injustiça.

Tenho orgulho na minha história profissional e pessoal. Para se saber o que realmente aconteceu, convido todos aqueles que desejem tomar uma posição com base nos factos a ler os documentos que disponibilizei com links relevantes no meu site – https://www.supportboaventuradesousa.com/. Também estão incluídos links para todos os documentos que apresentei ao tribunal relativos a cada denunciante. Os documentos completos estão disponíveis em português e espanhol; resumos executivos dos documentos em inglês estão também disponíveis.

(Os documentos por ele referidos estão disponíveis ao final do presente texto no seguinte link: https://www.supportboaventuradesousa.com/pt/s-pruebas-falsedad-denuncias.  Aí o texto tem como título Difamação: a mentira, toda a verdade documentada

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