O conhecimento, a pesquisa e o método: orientações aos iniciantes

 


Fonte: CERVO, A. L.; BERVIAN, P. A. Metodologia Científica. 5 ed. São Paulo: Prentice Hall, 2002 (Capítulo 1). 

A ciência, na condição atual, é o resultado de descobertas ocasionais, nas primeiras etapas, e de pesquisas cada vez mais metódicas, nas etapas posteriores. Ela é uma das poucas realidades que podem ser legadas às gerações seguintes. Os homens de cada período histórico assimilam os resultados científicos das gerações anteriores, desenvolvendo e ampliando aspectos novos.

Do duplo elemento de uma época, o mutável e o fixo — o ainda não comprovado e o estabelecido definitivamente —, somente o último é cumulativo e progressivo. Os elementos que constituem grande parte da ciência e que são transitórios e efêmeros, como certas hipóteses e teorias, perdem-se no tempo, conservando, quando muito, interesse histórico. Cada época elabora suas teorias segundo o nível de evolução em que se encontra, substituindo as antigas, que passam a ser consideradas como superadas e anacrônicas.

O que permitiu à ciência chegar ao nível atual foi o núcleo de técnicas de ordem prática, seus fatos empíricos e suas leis, que formam o elemento de continuidade, que, por sua vez, foi sendo aperfeiçoado e ampliado ao longo da história do Homo sapiens.  A ciência, nos moldes em que se apresenta hoje, é relativamente recente. Foi somente na Idade Moderna que ela adquiriu o caráter científico que tem atualmente. Entretanto, desde o início da humanidade já se encontravam os primeiros traços rudimentares de conhecimentos e de técnicas que constituiriam a futura ciência.

A revolução científica propriamente dita ocorreu nos séculos XVI e XVII, com Copérnico, Bacon e seu método experimental, Galileu, Descartes e outros. Não surgiu, porém, do acaso. Toda descoberta ocasional e empírica de técnicas e de conhecimentos referentes ao universo, à natureza e ao homem — desde os antigos babilônios e egípcios, passando pela contribuição do espírito criador grego, sintetizado e ampliado por Aristóteles, e pelas invenções da época das conquistas — serviu para preparar o surgimento do método científico e o caráter de objetividade que caracterizaria a ciência   a partir do século XVI (ainda de forma vacilante) e agora (já de forma rigorosa).

Aos poucos, o método experimental foi aperfeiçoado e passou a ser aplicado em novos setores. Desenvolveu-se o estudo da química e da biologia e, no século XVIII, surgiu um conhecimento mais objetivo da estrutura e das funções dos organismos vivos. Já no século seguinte, verificou-se uma modificação geral nas atividades intelectuais e industriais. Surgiram novos dados relativos à evolução, ao átomo, à luz, à eletricidade,   ao magnetismo, à energia. Por fim, no século XX, a ciência, com seus métodos objetivos e exatos, desenvolveu pesquisas em todas as frentes do mundo físico e humano, atin- gindo um grau de precisão surpreendente não só na área das navegações espaciais e de transplantes, como nos mais variados setores da realidade.

O século XXI, por um lado, aponta para a possibilidade, não sem muita polêmica,    de superação de alguns paradigmas há muito estabelecidos pela ciência, principalmente na área dos transgênicos, dos genomas, da informática e das viagens aeroespaciais, e,  por outro lado, indica também a necessidade de constituição de outros paradigmas, especialmente relacionados à questão ambiental, ao esgotamento dos recursos naturais e    à manutenção da vida no planeta Terra.

Essa evolução das ciências tem como mola propulsora os métodos e os instrumentos de investigação aliados à postura científica, perspicaz, rigorosa e objetiva. Essa postura, preparada ao longo da história, impõe-se agora, de maneira inexorável, a todos que pretendem conservar o legado científico do passado ou, ainda, se propõem a ampliar suas fronteiras.

O CONHECIMENTO E SEUS NÍVEIS

O homem não age diretamente sobre as coisas. Sempre há um intermediário, um instrumento entre ele e seus atos. Isso também acontece quando ele faz ciência, quando investiga cientificamente. Ora, não é possível fazer um trabalho científico sem conhecer os instrumentos. E estes se constituem de uma série de leis naturais, teorias e conceitos que devem ser claramente distinguidos, de conhecimentos a respeito das atividades cognoscitivas que nem sempre entram na constituição da ciência e de processos metodológicos que devem ser seguidos a fim de se obter resultados de cunho científico. Finalmente, para fazer ciência, é preciso imbuir-se de espírito científico.

Nossas possibilidades de conhecimento são muito e até, tragicamente, pequenas. Sabemos pouquíssimo, e aquilo que sabemos sabemo-lo muitas vezes superficialmente, sem grande certeza. A maior parte de nosso conhecimento somente é provável. Existem certezas absolutas, incondicionais, mas estas são raras 

O que é conhecer? É uma relação que se estabelece entre o sujeito que conhece e  o objeto conhecido. No processo de conhecimento, o sujeito cognoscente se apropria, de certo modo, do objeto conhecido. Se a apropriação é física, por exemplo, a representação de uma onda luminosa, de um som, acarretando uma modificação de um órgão corporal do sujeito cognoscente, tem-se um conhecimento sensível. Tal tipo de conhecimento é encontrado tanto em animais como no homem. Se a representação não é sensível, o que ocorre com realidades tais como conceitos, verdades, princípios e leis, tem-se então um conhecimento intelectual.

O conhecimento sempre implica uma dualidade de realidades: de um lado, o sujeito cognoscente e, de outro, o objeto conhecido, que está possuído, de certa maneira, pelo cognoscente. O objeto conhecido pode, às vezes, fazer parte do sujeito que conhece. Pode-se conhecer a si mesmo, pode-se conhecer e pensar os seus pensamentos, mas nem todo conhecimento é pensamento. O pensamento é atividade intelectual.

Pelo conhecimento, o homem penetra nas diversas áreas da realidade para dela tomar posse. Ora, a própria realidade apresenta níveis e estruturas diferentes em sua constituição. Assim, a partir de um ente, objeto, fato ou fenômeno isolado, pode-se ‘subir’ até situá-lo em um contexto mais complexo, ver seu significado e sua função, sua natureza aparente e profunda, sua origem, sua finalidade, sua subordinação a outros entes; enfim, sua estrutura fundamental com todas as implicações daí resultantes.

Essa complexidade do real, objeto de conhecimento, ditará, necessariamente, for- mas diferentes de apropriação por parte do sujeito cognoscente. Essas formas darão os diversos níveis de conhecimento segundo o grau de penetração do conhecimento e conseqüente posse mais ou menos eficaz da realidade, levando ainda em conta a área ou estrutura considerada.

Com relação ao homem, por exemplo, pode-se considerá-lo em seu aspecto externo e aparente e dizer uma série de coisas ditadas pelo bom senso ou ensinadas pela experiência cotidiana. Pode-se estudá-lo com um propósito mais científico e objetivo, investigando experimentalmente, por exemplo, as relações existentes entre certos órgãos e suas funções. Pode-se também questioná-lo quanto à sua origem, sua realidade e seu destino e, ainda, investigar o que dele foi “dito por Deus por meio dos profetas e de Jesus Cristo”. Têm-se, assim, quatro espécies de considerações sobre a mesma realidade. O homem, consequentemente o pesquisador, está se movendo dentro de quatro níveis diferentes de conhecimento. O mesmo pode ser feito com outros objetos de investigação. Têm-se, então, conforme o caso:

Conhecimento  empírico;

Conhecimento científico;

Conhecimento filosófico;

Conhecimento  teológico.


O CONHECIMENTO EMPÍRICO

O conhecimento empírico, erroneamente chamado vulgar ou de senso comum, é aquele que é adquirido pela própria pessoa na sua relação com o meio ambiente ou com o meio social, obtido por meio de interação contínua na forma de ensaios e tenta- tivas que resultam em erros e em acertos. Do ponto de vista da utilização de métodos e técnicas científicas, esse tipo de conhecimento — mesmo quando consolidado como convicção, como cultura ou como tradição — é ametódico e assistemático.

A pessoa comum, que não precisa operacionalizar métodos e técnicas científicas para a construção de seu conhecimento, tem, entretanto, conhecimento do mundo material exterior em que se acha inserida e de um certo número de pessoas, seus semelhantes, com as quais convive. Vê essas pessoas no momento presente, lembra-se delas, prevê o que poderão fazer e ser no futuro. Tem consciência de si mesma, de suas ideias, tendências e sentimentos. Cada qual se serve da experiência do outro ora ensinando,    ora aprendendo, em um intenso processo de interação humana e social. Pela vivência coletiva, os conhecimentos são transmitidos de uma pessoa a outra e de uma geração a outra.

Pelo conhecimento empírico, a pessoa percebe entes, objetos, fatos e fenômenos   e sua ordem aparente, tem explicações concernentes à razão de ser das coisas e das pessoas. Esse conhecimento é constituído por meio de interações, de experiências vivenciadas pela pessoa em seu cotidiano e de investigações pessoais feitas ao sabor das circunstâncias da vida; é sorvido do saber dos outros e das tradições da coletividade ou, ainda, tirado da doutrina de uma religião positiva.

O CONHECIMENTO CIENTÍFICO

O conhecimento científico vai além do empírico, procurando compreender, além do ente, do objeto, do fato e do fenômeno, sua estrutura, sua organização e funcionamento, sua composição, suas causas e leis.

Para Aristóteles, o conhecimento só se dá de maneira absoluta quando sabemos qual foi a causa que produziu o fenômeno e o motivo, porque não pode ser de outro modo; é o saber por meio da demonstração. A ciência, até a Renascença, era tida como um sistema de proposições rigorosamente demonstradas, constantes e gerais que expressavam as relações existentes entre seres, objetos, fatos e fenômenos da experiência.

O conhecimento científico era caracterizado como:

a) Certo, porque sabia explicar os motivos de sua certeza, o que não acontecia com o conhecimento empírico.

b) Geral, no sentido de conhecer no real o que há de mais universal e válido para todos os casos da mesma espécie. A ciência, partindo do indivíduo concreto, pro- cura o que nele há de comum com relação aos demais da mesma espécie.

c) Metódico e sistemático, já que o cientista não ignorava que os seres e os fatos estavam ligados entre si por certas relações e seu objetivo era encontrar e reproduzir esse encadeamento, o qual alcançava por meio do conhecimento ordena- do de leis e princípios.

A essas características acrescentam-se outras propriedades da ciência, como a objetividade, o interesse intelectual e o espírito crítico.

A ciência, assim entendida, era o resultado da demonstração e da experimentação, e só aceitava o que fosse provado. Hoje, a concepção de ciência é outra. A ciência não é considerada algo pronto, acabado ou definitivo. Não é a posse de verdades imutáveis. Atualmente, a ciência é entendida como uma busca constante de explicações e de soluções, de revisão e de reavaliação de seus resultados, apesar de sua falibilidade e de seus limites. Nessa busca sempre mais rigorosa, a ciência pretende aproximar-se cada vez mais da verdade por meio de métodos que proporcionem maior controle, sistematização, revisão e segurança do que outras formas de saber não científicas. Por ser dinâmica, a ciência busca renovar-se e reavaliar-se continuamente. Ela é um processo em construção.

O CONHECIMENTO FILOSÓFICO

O conhecimento filosófico distingue-se do conhecimento científico pelo objeto de investigação e pelo método. O objeto das ciências são os dados próximos, imediatos, perceptíveis pelos sentidos ou por instrumentos, pois, sendo de ordem material e física, são suscetíveis de experimentação. O objeto da filosofia é constituído de realidades mediatas, imperceptíveis aos sentidos e que, por serem de ordem supra-sensíveis, ultrapassam a experiência. A ordem natural do procedimento é, sem dúvida, partir dos dados materiais e sensíveis (ciência) para se elevar aos dados de ordem metafísica, não sensíveis, razão última da existência dos entes em geral (filosofia). Parte-se do concreto material para o concreto supramaterial, do particular ao universal.

Na acepção clássica, a filosofia era considerada a ciência das coisas por suas causas supremas. Modernamente, prefere-se falar em filosofar. O filosofar é um interrogar, é  um contínuo questionar a si mesmo e à realidade. A filosofia não é algo feito, acabado.   É uma busca constante de sentido, de justificação, de possibilidades, de interpretação a respeito de tudo aquilo que envolve o ser humano e sobre o próprio ser em sua existência concreta.

Filosofar é interrogar. A interrogação parte da curiosidade, que é inata. Ela é constantemente renovada, pois surge quando um fenômeno nos revela alguma coisa de um objeto e ao mesmo tempo nos sugere o oculto, o mistério. Este impulsiona o ser humano a buscar o desvelamento do mistério. Vê-se, assim, que a interrogação somente nasce do mistério, que é o oculto enquanto sugerido.

Jaspers, em sua Introdução à filosofia, coloca a essência da filosofia na procura do saber e não em sua posse. A filosofia trai a si mesma e se degenera quando é posta em fórmulas. A tarefa fundamental da filosofia consiste na reflexão. A experiência fornece uma multiplicidade de impressões e opiniões; adquirem-se conhecimentos científicos e técnicos nas mais variadas áreas; têm-se as mais diversas aspirações e preocupações. A filosofia procura refletir sobre esse saber, interroga-se sobre ele, problematiza-o.

Filosofar é interrogar principalmente sobre fatos e problemas que cercam o ser humano concreto em seu contexto histórico. Esse contexto muda no decorrer do tempo, o que explica o deslocamento dos temas de reflexão filosófica. É claro que alguns temas perpassam a história, como a própria humanidade. Qual o sentido da existência do ser humano e da vida? Existe ou não existe o absoluto? Há liberdade? Entretanto, o campo  de reflexão ampliou-se muito em nossos dias. Hoje, os filósofos, além das interrogações metafísicas tradicionais, formulam novas questões: a humanidade será dominada pela técnica? A máquina substituirá o ser humano? Também poderão o homem e a mulher ser produzidos em série em tubos de ensaio? As conquistas espaciais comprovam o poder ilimitado da espécie humana? O progresso técnico é um benefício para a humanidade? Quando chegará a vez do combate à fome e à miséria? O que é valor, hoje?

A filosofia procura compreender a realidade em seu contexto mais universal. Não há soluções definitivas para um grande número de questões. Entretanto, a filosofia habilita o ser humano a fazer uso de suas faculdades para ver melhor o sentido da vida concreta.

O CONHECIMENTO TEOLÓGICO

Duas são as atitudes que se podem tomar diante do mistério. A primeira é tentar penetrar nele com o esforço pessoal da inteligência. Mediante a reflexão e o auxílio        de instrumentos, procura-se obter um procedimento que seja científico ou filosófico. A segunda atitude consiste em aceitar explicações de alguém que já tenha “desvendado o mistério” e implica sempre uma atitude de fé diante de um “conhecimento revelado”.

Esse “conhecimento revelado” ocorre quando há algo oculto ou um mistério, alguém que o manifesta e alguém que pretende conhecê-lo. Entende-se por mistério tudo o que é oculto, o que provoca a curiosidade e leva à busca. O mistério é o oculto enquanto sugerido. Pode estar ligado a dados da natureza, da vida futura, da existência do absoluto, para mencionar apenas alguns exemplos. Aquele que manifesta o oculto é o revelador, que pode ser o próprio homem ou a ideia de divindade. Aquele que “recebe a manifestação” tem fé humana se o revelador for um homem ou uma mulher e tem fé teológica se “Deus for o revelador”.

A fé teológica sempre está ligada a uma pessoa que testemunha “Deus diante de outras pessoas”. Para que isso aconteça, é necessário que tal pessoa que “conhece a Deus” e que vive o mistério divino o revele a outra. Afirmar, por exemplo, que “tal pessoa é o Cristo” equivale a explicitar um conhecimento teológico.

O “conhecimento revelado” e aceito pela fé teológica constitui o conhecimento teológico. Este, por sua vez, é o conjunto de verdades ao qual as pessoas chegaram não com o auxílio de sua inteligência, mas mediante a aceitação dos dados da revelação divina. Vale-se de modo especial do argumento de autoridade. São os conhecimentos adquiridos nos livros sagrados e aceitos racionalmente pelas pessoas, depois de terem passado pela crítica histórica mais exigente. O conteúdo da revelação reveste-se de “autenticidade e de verdade”. “Essas verdades” passam a ser consideradas como fidedignas e por isso são aceitas. 

 O TRINÔMIO VERDADE – EVIDÊNCIA – CERTEZA

Já foi visto que o problema do conhecimento é, em grande parte, enigmático. O ser humano é cheio de limitações, e a realidade que pretende conhecer e dominar é múltipla e complexa. Diante disso, surgem inúmeras questões: o ser humano pode conhecer a verdade? O que é a verdade? Quais são as evidências que temos de que as verdades reveladas pela religião ou descobertas pela ciência são realmente a verdade ? Como podemos ter certeza de que o ser humano e a humanidade estão no caminho certo? Nosso esforço, ao longo das páginas a seguir, será exatamente no sentido de compreender o caminho que cientistas, pesquisadores e estudantes percorrem para nos proporcionar evidências científicas que nos ajudam a entender o universo, a vida e a realidade em que vivemos.

A VERDADE

Todos falam, discutem e querem estar com a verdade. Porém, o ser das coisas e dos objetos que pretendemos conhecer oculta-se e manifesta-se sob múltiplas formas. Aquilo que se manifesta, que aparece em dado momento, não é, geralmente, a totalidade do objeto, da realidade investigada. Isso, porém, não invalida o esforço humano na busca da verdade, na procura incansável de decifrar os enigmas do universo.

O ser se desvela aqui e acolá, em uma ou em outra área, com mais ou menos intensidade, mais para uns do que para outros. Pode-se dizer que, em certas áreas, a humanidade já entendeu bastante aquilo que o ser é e manifesta: as conquistas tecnológicas, como as viagens espaciais, mostram o quanto já foi aprendido, e isso graças, certamente, aos instrumentos científicos de que nos servimos para perceber e ver o que os sentidos jamais teriam conseguido. Entretanto, essa é apenas uma faceta da realidade, do ser. O que se conhece sobre o ser humano, sobre a vida e a morte, sobre o futuro, sobre a responsabilidade dos criminosos, sobre os mil problemas que afligem a cada um de nós e a todos?

O desvelamento do ser das coisas supõe, e isso é inegável, a capacidade de percebermos as mensagens; isso implica atenção, boa capacidade de percepção e bons instrumentos de pesquisa. Sempre vale lembrar que os instrumentos são o centro de toda pesquisa científica rumo à abertura do ser, à manifestação do ser, ao conhecimento da verdade.

O que é, então, a verdade? É o encontro da pessoa com o desvelamento, com o desocultamento e com a manifestação do ser. A essência das coisas se manifesta, torna-se translúcida, visível ao olhar, à inteligência  e à compreensão  humana.  Pode-se  dizer  que há verdade quando  percebemos  e expressamos  o ser que se desvela,  que se manifesta.  Há uma certa conformidade entre o que julgamos e dizemos e aquilo que do objeto se manifesta.

O objeto, porém, não se manifesta totalmente, não é inteiramente transparente. Também, geralmente,  não somos capazes de perceber tudo aquilo que se manifesta nem nos é possível estar de posse plena do objeto de conhecimento.

Muitas vezes ocorre ainda de, levados por certas aparências e sem o auxílio de instrumentos adequados, emitirmos conclusões precipitadas que não correspondem aos fatos    e à realidade: temos, então, o erro. E os erros são frequentes ao longo da história, como, por exemplo, as afirmações do geocentrismo, da geração espontânea etc.

A EVIDÊNCIA

As afirmações erradas decorrem muito mais de nossas atitudes precipitadas e de nossa ignorância com relação à natureza daquilo que se oculta e se desvela aos poucos do que da própria realidade. A verdade só resulta quando há evidência. Evidência é manifestação clara, é transparência, é desocultamento e desvelamento da natureza e da essência das coisas. A respeito daquilo que se manifesta das coisas, pode-se dizer uma verdade. Entretanto, como nem tudo se desvela de um ente, não se pode falar arbitramente sobre o que não se desvelou. A evidência, o desvelamento, a manifestação da natureza e da essência das coisas são, pois, o critério da verdade.

A CERTEZA

Finalmente, a certeza é o estado de espírito que consiste na adesão firme a uma verdade, sem temor de engano. Esse estado de espírito fundamenta-se na evidência, no desvelamento da natureza e da essência das coisas. Relacionando o trinômio, pode-se concluir dizendo que, havendo evidência, isto é, se o objeto, fato ou fenômeno se desvela ou se manifesta com suficiente clareza, é possível afirmar com certeza, sem temor  de engano, uma verdade.

Quando não houver evidência ou suficiente manifestação do objeto, fato ou fenômeno, o sujeito estará em outros estados de espírito, o que deve transparecer também em sua expressão ou linguagem. São os casos da ignorância, da dúvida e da opinião.

 Ignorância é um estado intelectual negativo, que consiste na ausência de conheci- mento relativo às coisas por falta total de desvelamento. A ignorância pode ser:

vencível: quando pode ser superada;

invencível: quando não pode ser superada;

culpável: quando há obrigação de fazê-la desaparecer;

desculpável: quando não há obrigação de fazê-la desaparecer.

A dúvida é um estado de equilíbrio entre a afirmação e a negação. A dúvida é espontânea quando o equilíbrio entre a afirmação e a negação resulta da falta do exame  dos prós e dos contras. A dúvida refletida é um estado de equilíbrio que permanece   após o exame das razões prós e contra. A dúvida metódica consiste na suspensão fictícia ou real, mas sempre provisória, do assentimento a uma asserção tida até então por certa para lhe controlar o valor. A dúvida universal consiste em considerar toda asserção como incerta. É a dúvida dos céticos.

A opinião caracteriza-se pelo estado de espírito que afirma com temor de se enganar. Já se afirma, mas de tal maneira que as razões em contrário não dão uma certeza. O valor da opinião depende da maior ou menor probabilidade das razões que fundamentam     a afirmação. A opinião pode, às vezes, assumir as características de probabilidade matemática. Esta pode ser expressa sob a forma de uma fração, cujo denominador exprime    o número de casos possíveis e cujo numerador expressa o número de casos favoráveis. Por exemplo, havendo em uma caixa seis bolas pretas e quatro brancas, a probabilidade de se extrair uma bola branca será, matematicamente, 4/10. Só haverá certeza quando o numerador se igualar ao denominador. A preocupação do cientista é chegar a verdades que possam ser afirmadas com  certeza. 

 A FORMAÇÂO DA POSTURA CIENTÍFICA 

Mesmo depois de feita a distinção entre os diferentes níveis de conhecimento e esclarecidas as condições da verdade e do erro, ainda não será possível realizar um trabalho científico. É necessário, além disso, ter uma reserva de outras qualidades que são decisivas para desencadear a verdadeira pesquisa. Pouco adianta o conhecimento e o emprego do instrumental metodológico sem o rigor e a seriedade de que o trabalho científico deve estar revestido. Essa atmosfera de seriedade que envolve e perpassa todo o trabalho só aparece e transparece se o autor estiver imbuído de uma postura científica.

Toda postura ou atitude pode ser cultivada, e o mesmo ocorre com a postura e a  atitude científica que caracteriza o cientista. É errada a imagem comumente divulgada que associa a figura do cientista a certos estereótipos e biotipos. Fazer ciência não é privilégio de um tipo em particular de pessoa, nem privilégio de povos, raças e culturas. Podem variar as condições objetivas para se fazer ciência, como recursos, treinamentos    e equipamentos adequados, mas a formação da postura científica tem seu ponto  de partida na curiosidade infantil, passa pela inquietação da adolescência e pelos sonhos da juventude. Se tais atributos forem bem cultivados e administrados, a coerência metodológica que se espera na maturidade pode resultar em cientistas e pesquisadores produtivos ou, no mínimo, em adultos capazes de tratar, analisar e sintetizar os dados   da realidade de maneira lógica e coerente. Da mesma forma, a adoção de uma postura científica pode se dar em qualquer idade e em quaisquer circunstâncias. A ciência pode ser praticada também nas mais variadas situações de vida, e não apenas no recesso dos laboratórios e na solidão das pesquisas de campo.

O desafio de países como o Brasil é, sobretudo, encontrar soluções para seus graves problemas sociais, soluções essas muito mais urgentes e necessárias do que toda a indústria de armas, de foguetes e de viagens espaciais, por exemplo.

CARACTERÍSTICAS DA POSTURA CIENTÍFICA

A postura científica é, antes de tudo, uma atitude ou disposição subjetiva do pesquisador que busca soluções sérias, com métodos adequados para o problema que enfrenta. Essa postura não é inata na pessoa; ao contrário, é forjada ao longo da vida, à custa  de muito esforço e de uma série de exercícios. Ela pode e deve ser aprendida. A postura científica, na prática, é expressão de uma consciência crítica, objetiva e racional.

A consciência crítica levará o pesquisador a aperfeiçoar seu julgamento e a desenvolver o discernimento, capacitando-o a distinguir e a separar o essencial do superficial, o principal do secundário. Criticar é julgar, distinguir, discernir, analisar para melhor poder avaliar os elementos componentes da questão. A crítica, assim entendida, não tem nada de negativa. É, antes, uma tomada de posição, no sentido de impedir a aceitação do que    é fácil e superficial. O crítico só admite o que é suscetível de prova.

 A consciência objetiva, por sua vez, implica o rompimento corajoso com as posições pessoais e mal fundamentadas do conhecimento vulgar. Para conquistar a objetividade científica, é necessário libertar-se da visão fragmentada do mundo,  arraigada na própria organização biológica e psicológica do sujeito e ainda influenciada pelo meio social.

A objetividade é a condição básica da ciência. O que vale não é o que algum cientista imagina ou pensa, mas aquilo que realmente é. Isso porque a ciência não é literatura. A objetividade torna o trabalho científico impessoal a ponto de atenuar, por exemplo, a pessoa do pesquisador. Só interessam o problema e a solução. Qualquer um pode repetir a mesma experiência, em qualquer tempo, e o resultado será sempre o mesmo, porque independe das disposições pessoais.

Nada impede que um pesquisador parta de suas próprias experiências de vida, observações ou reflexões para formular um problema de pesquisa ou enunciar suas hipóteses explicativas, mas a verdade última e final deriva da pesquisa, da análise das informações e dos dados e da ponderação sobre o que é específico de sua experiência e o que pode ser generalizado para objetos, fatos ou fenômenos análogos. A objetividade da postura científica não aceita meias soluções ou soluções apenas baseadas nas experiências ou reflexões pessoais. O eu acho, eu creio, eu penso não satisfazem a objetividade do saber.

Finalmente, a postura científica implica ações racionais. As razões explicativas de  uma questão só podem ser intelectuais ou racionais. ‘As razões que a razão desconhece’,  as razões da arbitrariedade, do sentimento e do coração não explicam e nem justificam no campo da ciência.

QUALIDADES DA POSTURA CIENTÍFICA

Além das propriedades fundamentais já referidas, poderíamos acrescentar outras tantas qualidades de ordem intelectual e moral que a postura científica implica. Como virtude intelectual, ela se traduz no senso de observação, no gosto pela precisão e pelas ideias claras, na imaginação ousada, mas regida pela necessidade da prova, na curiosidade que leva a aprofundar os problemas, na sagacidade e no poder de discernimento. Moralmente, a postura científica assume a atitude de humildade e de reconhecimento de suas limitações, da possibilidade de certos erros e enganos.

A postura científica é imparcial; não torce os fatos e respeita escrupulosamente a verdade. O possuidor da verdadeira postura científica cultiva a honestidade, evita o plágio, não colhe como seu o que outros plantaram, tem horror às acomodações e é corajoso para enfrentar os obstáculos e os perigos que uma pesquisa possa oferecer. Finalmente, a postura científica não reconhece fronteiras, não admite nenhuma intromissão de autoridades estranhas ou limitações em seu campo de investigação e defende o livre exame dos problemas. A honestidade do cientista está relacionada, unicamente, com a verdade dos fatos que investiga.

IMPORTÂNCIA DA POSTURA CIENTÍFICA

Diante do exposto, é desnecessário enaltecer a importância da postura científica. O universitário, por exemplo, consciente de sua função na universidade, vai procurar imbuir-se dessa postura científica, aperfeiçoando-se nos métodos de investigação e aprimorando suas técnicas de trabalho. Os conhecimentos científicos que vai adquirir, os bons ou maus mestres que vai enfrentar não constituirão o essencial da vida acadêmica. O essencial é aprender como trabalhar, como enfrentar e solucionar os problemas que se apresentam não só na universidade, mas principalmente na vida profissional. Para isso, é necessário adquirir hábitos, consciência e espírito preparado no emprego dos instrumentos que levarão a soluções de problemas. Essas soluções sempre se apresentarão, na carreira profissional, com novos matizes. Logo, faz-se necessário apelar para a criatividade e a iniciativa, que, aliadas ao conhecimento científico adquirido no decorrer dos estudos universitários, permitirão encontrar a solução mais indicada que as circunstâncias exigirem.

Por outro lado, a ciência, atualmente, não se resume à criatividade de um gênio isolado que faz descobertas decisivas. A pesquisa científica se apresenta como um edifício, da dimensão dos arranha-céus, que supõe a mobilização de uma comunidade de técnicos e de pesquisadores trabalhando em equipes disciplinadas e que dispõem de orçamentos da importância de um tesouro de Estado.

Como se filiar à tal comunidade sem a mentalidade adequada e a postura que a anima? Qualidades e virtudes intelectuais e morais existem, indubitavelmente, desde que há pessoas sobre a face da Terra, ao passo que a ciência é uma aventura bem recente. Aristóteles, certamente, não sentia falta de nenhuma das virtudes supracitadas e, no entanto, sua física nada tem de científica, no sentido moderno da palavra. Trata-se, portanto, de reconhecer que a postura científica é, antes de tudo, um produto da história. É uma progressiva aquisição das técnicas que exigem pesquisas  exatas  e verificáveis.  Pouco  a pouco,  instituiu-se um mundo científico ou, como diz Khun, uma “comunidade científica”, cujos costumes e leis configuram a postura científica. Essa é, portanto, a postura de um grupo, quase uma postura de corporação, no qual cada aprendiz de pesquisador é iniciado praticamente como um novo membro de um clube, ou como os calouros das grandes escolas  são iniciados pelos veteranos, nos costumes e nas tradições do grupo.

Iniciação nas técnicas de trabalho científico, familiaridade no manuseio dos instrumentos de laboratórios, habilidade no trato com fontes bibliográficas, na leitura/produção de textos  e nos procedimentos metodológicos da pesquisa não se aprendem em um dia. Mas ter uma boa orientação, compromisso e disposição para estudar e aprender constituem um caminho promissor. 


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