X Congresso Português de Sociologia

NA ERA DA "PÓS-VERDADE"? ESFERA PÚBLICA, CIDADANIA E QUALIDADE DA DEMOCRACIA NO PORTUGAL CONTEMPORÂNEO - COVILHÃ/UNIVERSIDADE DA BEIRA INTERIOR  - 10, 11 E 12 DE JULHO DE 2018

Apresentação 

A Sociologia Portuguesa tem um papel a desempenhar na análise das emergentes reconfigurações da esfera pública, particularmente no que se refere à centralidade dos comportamentos, atitudes e opiniões construídos no e pelo ciberespaço, embora com intensas repercussões offline, abarcando o domínio do que comummente se apelida de “redes sociais”. Em certa medida, importa perceber as metamorfoses da sociedade da informação e do conhecimento, particularmente quando se disseminam práticas sociais assentes na dissociação entre os protocolos de construção dos factos e a ductilidade epidérmica das opiniões e das emoções, erigidas, tantas vezes, em critério único de relevância argumentativa.
Se os mecanismos tradicionais de expressão política se encontram em crise, por uma quebra acumulada de confiança na sua eficácia, transparência e adesão democrática, não é menos verdade que os próprios novos e novíssimos movimentos sociais se veem ultrapassados pela vertigem da emoção e mesmo da mentira enquanto supremos alicerces do debate público, a tal ponto que se torna inglório o esforço de distinção entre uma mentira verdadeira e um facto falso…
Simultaneamente, a centralização dos saberes tecnológicos em núcleos fechados de poder político e económico acentua as desigualdades e diminui as possibilidades de um debate informado, alimentado pelo contraditório e pela argumentação dialógica, reforçando a dominação de muitos por poucos, através de mecanismos cada vez menos transparentes e desmontáveis.
Importaria, pois, à sociologia, perceber a profundidade dos fenómenos de enclausuramento em bolhas cognitivas, em que a conexão é extremamente seletiva e os repertórios autorreferenciais. Como compreender a lógica comunicativa de formação de stocks de conhecimentos enviesados e filtrados através de algoritmos que só nos permitem comunicar com pessoas que pensam e tendem a agir como nós, numa cavalgada de ensimesmamento etnocêntrico? Como mobilizar os conceitos, os arsenais metodológicos e a bateria de técnicas que formam o nosso património sociológico para observar uma realidade construída simbolicamente na aversão à argumentação racional e crítica? Como adaptar a dialética da dupla hermenêutica, em que interpretamos e interpelamos sociologicamente interpretações que nos interpretam e interpelam, se estas se fundam na recusa da diversidade do mundo da vida? Como aceder a pontos de vista que se confundem com o absoluto da verdade, eliminando a confrontação? Como aferir das disposições sociais mobilizadas por estas novas formas de participação? Em que medida está em causa a democracia tal como a conhecemos? Quais as metamorfoses da reflexividade e da agência perante uma tão vasta produção de informação falsa, enganadora e incompleta?
Tal como o bom jornalismo procura a verdade dos factos, a boa sociologia exige trabalho de investigação, desconstrução e indagação para construir uma facticidade, ainda que provisória e sujeita a verificação. Se a sociologia pode ser definida como a tentativa de compreender a lógica das práticas sociais dos agentes, incorporando o sentido que eles próprios lhes conferem, então o X Congresso Português de Sociologia constituirá certamente um momento memorável desse esforço coletivo em prol de uma esfera pública aberta, crítica e racional.


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