Dificuldades, Êxito e Felicidade: Sêneca e a Educação

 



Por José Paz Rodrigues

 

Lucius Annaeus Seneca (em português, Lúcio Aneu Sêneca, ou ainda Séneca/Sêneca, o Jovem – nasceu em Córdova, Hispânia, Império Romano, no ano 4 a.C. e faleceu em Roma, Império Romano, no ano 65 d.C.) foi um importante escritor e filósofo do Império Romano. Filho de um grande orador, Annaeus Sêneca, o Velho, foi educado em Roma, onde estudou retórica e filosofia, tornando-se famoso como advogado. Foi membro do senado romano e depois foi nomeado questor, magistrado da justiça criminal.

É o seu trabalho no campo da filosofia que desperta o maior interesse, isso desde o período do Renascimento. Entre suas ideias, destaca-se a da consciência, que ele entendia como a capacidade que o homem tem de distinguir entre o bem e o mal. Ela é inerente ao ser humano, que não pode se livrar dela ou escondê-la, pois o homem não consegue se esconder de si próprio. O criminoso pode evitar a punição da lei, mas não evita a punição dentro de sua consciência, que faz um juízo íntimo de seus atos. Por isso mesmo, o pecado estaria inserido na estrutura e na fundamentação do homem, e para nos tornarmos homens necessitamos da prática de pecados. Se o indivíduo nunca peca, não é homem; mesmo o sábio é um pecador, porque através do pecado ele realizou experiências de diferenciação entre o bem e o mal.

A prática da escravidão, tão comum nos dias de Sêneca, era combatida pelo filósofo, que ia além, e pregava contra as diferenciações sociais entre as pessoas. Entendia que, o que pode dar valor e nobreza a uma pessoa é somente a virtude, e essa qualidade está ao alcance de todos. Em sua origem todos os homens eram iguais, a nobreza é apenas uma construção de cada homem no desenvolvimento do seu espírito.

Sêneca passou a viver em Roma por volta do ano quinto da Era Comum, e viveu por um tempo no Egito. Despertou a inveja do imperador Calígula, que tentou assassiná-lo, mas, segundo algumas fontes, teria desistido, pois acreditava que ele logo morreria devido à idade avançada. Em 41 d.C., envolveu-se num processo por suas relações com Julia Livila, uma sobrinha do imperador Cláudio, e foi acusado de adultério, sendo exilado na Córsega, onde viveu até 49 d.C. De 54 a 62 d.C. foi conselheiro do imperador Nero. Acusado de participar da Conspiração de Piso, que teria planejado o assassinato do imperador, foi condenado ao suicídio. Em 65 d.C., Sêneca cortou os pulsos, na presença de amigos, no que foi seguido por sua esposa, Pompeia Paulina.

Sêneca  escreveu vários textos com orientações sobre como lidar com o fracasso para alcançar o sucesso. A vida do filósofo foi longa e difícil. Político promissor, interrompeu a carreira aos 20 anos por causa de uma tuberculose. Ao se recuperar, foi condenado ao exílio. Estava lá quando um terremoto destruiu Pompeia e um incêndio botou Roma abaixo. Acabou sendo eleito o instrutor do imperador Nero, apenas para ser condenado à morte por seu discípulo — foi orientado a cortar as próprias veias do braço, sob acusação de participar de uma conspiração. Não funcionou. Sêneca, então, tomou veneno. Também não foi eficiente. Acabou se internando em uma sauna, até morrer por desidratação.

Apesar de todas as dificuldades, Sêneca, um dos mais conhecidos filósofos romanos, não era um homem amargurado. Ele percebeu que os fracassos são inevitáveis, e que o segredo das pessoas mais bem-sucedidas é saber lidar com eles. A ideia é: já que os problemas inesperados são os que mais nos atingem, esteja preparado para o pior. Sempre que você entrar em um avião ou carro, saiba que aquela pode ser sua última viagem. Se não for, aproveite uma nova oportunidade para explorar a vida ao máximo. “Descobrir que as fontes de satisfação estão além de nosso controle e que o mundo não funciona da forma como gostaríamos é um choque de infância de que muitos não se recuperam”, diz o filósofo britânico Marcus Weeks, palestrante da Escola da Vida, em Londres. Para Sêneca, frustrações todos temos, o segredo é saber lidar com elas sem raiva, ansiedade, paranoia, amargura ou autopiedade. Precisamos manter o senso de realidade para não sucumbir à tentação de culpar os outros por tudo o que dá errado conosco. O sucesso, diz Sêneca, consiste em manter a paciência diante dos problemas que fogem do nosso controle, e focar no que, de fato, depende de você. Para isso, ele fazia um exercício: antes de dormir, listava suas frustrações, os insultos que havia escutado ao longo do dia e como havia se saído disso.

 

SÊNECA E A FELICIDADE:  

No seu livro  Da Felicidade, Sêneca argumenta que a felicidade se constrói a partir da virtude, da razão, da moderação e da harmonia com a natureza. Todas as pessoas têm uma coisa em comum: querem ser felizes. “Mas, para descobrir o que torna uma vida feliz, vai-se tentando, pois não é fácil alcançar a felicidade, uma vez que, quanto mais a procuramos, mais dela nos afastamos. Podemos nos enganar no caminho, tomar a direção errada; quanto maior a pressa, maior a distância.”

Essa perspectiva preza a serenidade e alegria que vem do interior, daquele indivíduo que não deseja bens maiores que os próprios. Feliz é aquele que desfruta da sua condição. O filósofo defende que uma vida feliz é moderada e sem excessos. Na atribuição de Sêneca, deve-se praticar a virtude em detrimento do vício para ser feliz. “Aqueles que tenham se entregue aos comandos do banal enfrentarão duas dificuldades. Primeiro, perdem a virtude e não terão o prazer, pois por ele são dominados; ou se atormentam pela sua falta, ou se sufocam em sua abundância. Infeliz quem dele se afasta, mas muito mais quem por ele for soterrado. Ao colocar o banal na frente de tudo o mais, o homem descuida, em primeiro lugar, da liberdade.”

Por meio de várias reflexões excelentes sobre a felicidade, Sêneca nos mostra seu ponto de vista acerca de como o diferencial para alguém ser feliz está no desapego; no desejo de alcançar a sabedoria. Neste tratado, ele também reflete sobre como muitas pessoas se preocupam com valores estéticos e se apoiam em padrões eternos de beleza, tudo para experimentar uma felicidade, que, no entanto, não deixa de ser superficial. “Convém nos afastar da pompa e medir a utilidade das coisas, e não a sua beleza exterior.”

Sêneca aponta que uma das causas de infelicidade é dedicar-se com prioridade às aparências ao invés de se voltar para a beleza interior. “Apoia-se em bases frágeis quem faz sua felicidade depender de elementos externos. Toda a alegria que assim surge logo se vai; no entanto, aquela que vem do interior é firme e sólida.” Sêneca sugere que ter consciência do próprio valor também é reconhecer as próprias falhas. A soberba é um impedimento do homem feliz, e o orgulho exagerado de si não é ser consciente do valor próprio, mas uma outra forma de inconsciência. Reconhecer o valor próprio (e as falhas) não é já chegar à felicidade, mas se pôr a caminho dela. O homem consciente de si, que não se deixa possuir pelas suas posses, não precisa de um lugar físico para ser feliz, pois a felicidade provém da sabedoria e da virtude, e estas têm sua validade em qualquer lugar. “O verdadeiro bem não desaparece, certo e duradouro, consiste na sabedoria e na virtude, sendo a única coisa imortal que cabe aos mortais.”

A felicidade, segundo Sêneca, consiste em uma alma livre. A incerteza e imprevisibilidade são invisíveis aos olhos do ser humano feliz, pois a afabilidade e a calma de espírito o invadem com uma intensa alegria. “Uma vez que se começa a discutir a questão amplamente, pode-se chamar de feliz aquele que, graças à razão, não deseja nem teme.” O desejo mantém o sofrimento longe somente enquanto a razão está alerta. O ser se sente mais feliz (e seguro) assim, sabendo administrar o apego ao desejo para que seus maus instintos não o traiam quando da sua falta.

 

CARTAS A LUCÍLIO: SÊNECA E A EDUCAÇÃO:

As cartas começam todas com a frase “Seneca Lucilio suo salutem” (“Sêneca saúda o seu Lucilius”) e terminam com a palavra “Vale” (“Adeus”). Nestas cartas, Sêneca dá a Lucílio dicas sobre como se tornar um estoico mais aplicado. Algumas das cartas incluem temas como “Sobre o Ruído”, outras sobre “a influências das massas”. Apesar de lidarem com a forma eclética de filosofia estoica de Sêneca, também nos dão valiosas visões sobre o dia-a-dia da Roma Antiga.

Sêneca foi simultaneamente dramaturgo de sucesso, estadista famoso e conselheiro do imperador. Sêneca teve que negociar, persuadir e planejar seu caminho pela vida. Ao invés de filosofar da segurança da cátedra de uma universidade, ele teve que lidar constantemente com pessoas não cooperativas e poderosas e enfrentar o desastre, o exílio, a saúde frágil e a condenação à morte tanto por Calígula como por Nero. Sêneca correu riscos e teve grandes feitos.

Sua principal filosofia, o estoicismo, pode ser encarada como um sistema para prosperar em ambientes de alto estresse. Em seu núcleo, ensina como separar o que você pode controlar do que não pode e nos treina para nos concentrar exclusivamente no primeiro. As cartas de Sêneca podem ser interpretadas como um guia prático para frugalidade e como contentar-se com o suficiente. A prática do estoicismo torna você menos emocionalmente reativo, mais consciente do presente e mais resiliente. À medida que você navega na vida, esse tipo de treinamento de força mental também facilita as decisões difíceis, seja desistir de um emprego, fundar uma empresa, convidar alguém para sair, terminar um relacionamento ou qualquer outra coisa.

A filosofia de Sêneca aborda a busca da felicidade, a preparação para a morte, as desilusões, a amizade e levanta uma das principais questões humanas: como conjugar qualidade de vida e tempo escasso. Leitores do século XXI serão surpreendidos por lições como: “A duração de minha vida não depende de mim. O que depende é que não percorra de forma pouco nobre as fases dessa vida; devo governá-la, e não por ela ser levado“; “Pobre não é o homem que tem pouco, mas o homem que anseia por mais do que precisa. Qual é o limite adequado para a riqueza? É, primeiro, ter o que é necessário, e, segundo, ter o que é suficiente” Ou ainda: “Não deixemos nada para mais tarde. Acertemos nossas contas com a vida dia após dia“.

 

AS PALAVRAS DE SÊNECA:

Apresentamos uma formosa antologia de frases recolhidas de seus livros:

– «É parte da cura o desejo de ser curado».

– «Muitas coisas não ousamos empreender por parecerem difíceis; entretanto, são difíceis porque não ousamos empreendê-las».

– «Nada é tão lamentável e nocivo como antecipar desgraças».

– «Ninguém chegou a ser sábio por acaso».

– «O homem que sofre antes de ser necessário, sofre mais que o necessário».

– «Para a nossa avareza, o muito é pouco; para a nossa necessidade, o pouco é muito».

– «Se quiseres ser amado, ama».

– «Se vives de acordo com as leis da natureza, nunca serás pobre; se vives de acordo com as opiniões alheias, nunca serás rico».

– «Toda arte é imitação da natureza».

– «Apressa-te a viver bem e pensa que cada dia é, por si só, uma vida».

– «Cala-te primeiro se queres que os outros se calem».

– «Os desejos da vida formam uma corrente cujos elos são as esperanças».

– «Desventurado é aquele que por tal se julga».

– «Na vida pública, ninguém olha para os que estão pior, mas apenas para os que estão melhor».

– «É errado quando acreditas em cada um, mas também é errado quando não acreditas em ninguém».

– «Possuir um bem, sem o partilhar, não tem qualquer atrativo».

– «Viver significa lutar».



Postagens mais visitadas deste blog

De África: Pesquisador/Reitor de universidade angolana fará conferência na UFPB

Ritmanálise e pesquisa em debate: Carlos Machado na UFPB

Colóquio Educação Popular: múltiplas abordagens