120 anos de Anísio Teixeira: nome marcante da História da Educação brasileira


Secretaria celebra os 120 anos do educador Anísio Teixeira com ...
Anísio Teixeira (1900-1971)


Por César Benjamin
(Publisher, ex-Secretário de Educação do Município do Rio de Janeiro)

2020 marca os 120 anos de nascimento de Anísio Teixeira, que considero o maior nome da educação brasileira, um grande construtor do Brasil.
Vocacionado inicialmente para a vida religiosa, treinado na tradição jesuítica, Anísio Teixeira, quando jovem, foi admirador da monarquia e filiado ao movimento conservador da restauração católica, mas se afastou dessas posições. Sua vocação sacerdotal voltou-se para a escola pública, tema em que militou apaixonadamente durante toda a vida adulta. O programa que concebeu para a escola pública foi assumido no discurso de posse de Pedro Ernesto como primeiro prefeito eleito do Distrito Federal, em 1931.
Anísio assumiu diversos cargos-chaves ao longo da vida, cercando-se de colaboradores católicos, liberais, socialistas e comunistas, sem fazer distinções. Foi admirado por todos. Muito influenciado pelo filósofo e educador norte-americano John Dewey (1859-1952), impressionou Darcy Ribeiro, que o considerava um dos maiores brasileiros de todos os tempos. Jorge Amado, então militante do antigo Partido Comunista, dedicou a ele, “o amigo das crianças”, o livro "Capitães de areia".
Um dos temas centrais de sua obra foi o problema da transição da educação de poucos, tal como havia no Brasil, para a educação de todos, o ideal a ser atingido. Em 1952, escreveu: “Procurei elevar a educação à categoria de maior problema político brasileiro, dar-lhe base técnica, distribuí-la para todos na sua fase elementar e para os mais capazes nos níveis secundário e superior, inspirando-lhe o propósito de ser adequada, prática e eficiente, em vez de verbal e abstrata.”
Esta era uma imposição do nosso tempo: “A revolução da nossa época tem algo de diferente [...]. Já não se trata de um choque brusco e momentâneo de forças em contraste [...]. Trata-se, antes, de uma tremenda aceleração das forças da nossa evolução histórica.” Dois conceitos se destacavam no núcleo dessa revolução permanente: democracia e ciência. Ampliada e remodelada, a escola pública tinha de ser a instituição central dessa nova sociedade, pois somente ela concretizaria o ideal democrático e difundiria o conhecimento científico.
As escolas tradicionais preparavam pequenos grupos de especialistas para as profissões sacerdotais e liberais. A nova escola, de massas, precisava formar o cidadão e o trabalhador: “Dezenove séculos depois do encontro entre a razão e o conhecimento, descoberto pelos gregos, deu-se a segunda revolução da inteligência humana: o encontro entre o trabalho e o conhecimento.”
Diferentemente do que ocorria nas sociedades antigas, a relação entre democracia e educação é intrínseca, não extrínseca. A sociedade democrática não pode existir sem educação para todos. E essa escola universal deve dar a cada pessoa a oportunidade de ser “aquilo que seus dons inatos, devidamente desenvolvidos, determinem”. Uma escola em tempo integral, aberta à vida, associada a uma civilização marcada pelo peso da ciência, formadora da inteligência, do caráter, dos hábitos de pensar, de agir, de conviver socialmente.
Anísio formulou sua teoria educacional muito mais como uma resposta aos desafios que enfrentou como administrador do que na condição de livre pensador. Mesmo assim, nas milhares de páginas que deixou – livros, artigos, conferências e discursos – pensou profundamente a transformação que precisaríamos fazer para transformar a escola de poucos em escola de todos, com qualidade. Exatamente o nosso desafio atual.


ANÍSIO TEIXEIRA, O INVENTOR DA ESCOLA PÚBLICA NO BRASIL
Por Márcio Ferrari

Considerado o principal idealizador das grandes mudanças que marcaram a educação brasileira no século 20, Anísio Teixeira (1900-1971) foi pioneiro na implantação de escolas públicas de todos os níveis, que refletiam seu objetivo de oferecer educação gratuita para todos. Como teórico da educação, Anísio não se preocupava em defender apenas suas ideias. Muitas delas eram inspiradas na filosofia de John Dewey (1852-1952), de quem foi aluno ao fazer um curso de pós-graduação nos Estados Unidos.
Dewey considerava a educação uma constante reconstrução da experiência. Foi esse pragmatismo, observa a professora Maria Cristina Leal, da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, que impulsionou Anísio a se projetar para além do papel de gestor das reformas educacionais e atuar também como filósofo da educação. A marca do pensador Anísio era uma atitude de inquietação permanente diante dos fatos, considerando a verdade não como algo definitivo, mas que se busca continuamente.
Para o pragmatismo, o mundo em transformação requer um novo tipo de homem consciente e bem preparado para resolver seus próprios problemas acompanhando a tríplice revolução da vida atual: intelectual, pelo incremento das ciências; industrial, pela tecnologia; e social, pela democracia. Essa concepção exige, segundo Anísio, "uma educação em mudança permanente, em permanente reconstrução".

Didática da ação
As novas responsabilidades da escola eram, portanto, educar em vez de instruir; formar homens livres em vez de homens dóceis; preparar para um futuro incerto em vez de transmitir um passado claro; e ensinar a viver com mais inteligência, mais tolerância e mais felicidade. Para isso, seria preciso reformar a escola, começando por dar a ela uma nova visão da psicologia infantil.
O próprio ato de aprender, dizia Anísio, durante muito tempo significou simples memorização; depois seu sentido passou a incluir a compreensão e a expressão do que fora ensinado; por último, envolveu algo mais: ganhar um modo de agir. Só aprendemos quando assimilamos uma coisa de tal jeito que, chegado o momento oportuno, sabemos agir de acordo com o aprendido.
Para o pensador, não se aprendem apenas ideias ou fatos mas também atitudes, ideais e senso crítico - desde que a escola disponha de condições para exercitá-los.
Assim, uma criança só pode praticar a bondade em uma escola onde haja condições reais para desenvolver o sentimento. A nova psicologia da aprendizagem obriga a escola a se transformar num local onde se vive, e não em um centro preparatório para a vida.
Por tudo isso, na escola progressiva, as matérias escolares - Matemática, Ciências, Artes, etc. - são trabalhadas dentro de uma atividade projetada pelos alunos, fornecendo a eles formas de desenvolver sua personalidade no meio em que vivem. Nesse tipo de escola, estudo é o esforço para resolver um problema ou executar um projeto, e ensinar é guiar o aluno em uma atividade. 
Quanto à disciplina, Anísio afirmava que o homem educado é aquele que sabe ir e vir com segurança, pensar com clareza, querer com firmeza e agir com tenacidade. Numa escola democrática, mestres e alunos devem trabalhar em liberdade, desenvolvendo a confiança mútua, e o professor deve incentivar o aluno a pensar e julgar por si mesmo. "Estamos passando de uma civilização baseada em uma autoridade externa para uma baseada na autoridade interna de cada um de nós", diz ele em seu livro Pequena Introdução à Filosofia da Educação.
Como preparar o professor para essa tarefa hercúlea da escola de hoje, ocupada por tantos alunos que não se contentam em aprender apenas as técnicas e conhecimentos mais simples mas também as últimas conquistas da ciência e da cultura? O que fazer quando eles exigem informações até mesmo sobre tendências indefinidas e problemas sem solução? Para responder a tantas questões, os educadores do mundo todo precisarão de novos elementos de cultura, de estudos e de recursos, propôs o pensador, que na prática instalou novos cursos para professores. Só assim, dizia, os mestres tentarão renovar a humanidade para "a grande aventura de democracia que ainda não foi tentada". 

A escola pública e integral como solução
Para ser eficiente, dizia Anísio, a escola pública para todos deve ser de tempo integral para professores e alunos, como a Escola Parque por ele fundada em 1950 em Salvador, que mais tarde inspiraria os Centros Integrados de Educação Pública (Cieps) do Rio de Janeiro e as demais propostas de escolas de tempo integral que se sucederam. Cuidando desde a higiene e saúde da criança até sua preparação para a cidadania, essa escola é apontada como solução para a educação primária no livro Educação Não É Privilégio. Além de integral, pública, laica e obrigatória, ela deveria ser também municipalizada, para atender aos interesses de cada comunidade. O ensino público deveria ser articulado numa rede até a universidade. Anísio propôs ainda a criação de fundos financeiros para a educação, mas, mesmo com o atual Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb), os recursos são insuficientes para sustentar esse modelo de escola.

Biografia
Anísio Spínola Teixeira nasceu em 12 de julho de 1900 em Caetité (BA). Filho de fazendeiro, estudou em colégios de jesuítas na Bahia e cursou direito no Rio de Janeiro. Diplomou-se em 1922 e em 1924 já era inspetor-geral do Ensino na Bahia. Viajando pela Europa em 1925, observou os sistemas de ensino da Espanha, Bélgica, Itália e França e com o mesmo objetivo fez duas viagens aos Estados Unidos entre1927 e 1929. De volta ao Brasil, foi nomeado diretor de Instrução Pública do Rio de Janeiro, onde criou entre 1931 e 1935 uma rede municipal de ensino que ia da escola primária à universidade. Perseguido pela ditadura Vargas, demitiu-se do cargo em 1936 e regressou à Bahia - onde assumiu a pasta da Educação em 1947. Sua atuação à frente do Instituto Nacional de Estudos Pedagógicos a partir de 1952, valorizando a pesquisa educacional no país, chegou a ser considerada tão significativa quanto a Semana da Arte Moderna ou a fundação da Universidade de São Paulo. Com a instauração do governo militar em 1964, deixou o instituto - que hoje leva seu nome - e foi lecionar em universidades americanas, de onde voltou em 1965 para continuar atuando como membro do Conselho Federal de Educação. Morreu no Rio de Janeiro em março de 1971.

Educação como meta política
Nos anos 1920, com a crescente industrialização e a urbanização em todo o mundo, a necessidade de preparar o país para o desenvolvimento levou um grupo de intelectuais brasileiros a se interessar pela educação - vista como elemento central para remodelar o país. Os novos teóricos viam num sistema estatal de ensino livre e aberto o único meio efetivo de combate às desigualdades sociais. Esse movimento chamado de Escola Nova ganhou força nos anos 1930, principalmente após a divulgação, em 1932, do Manifesto da Escola Nova. O documento pregava a universalização da escola pública, laica e gratuita. Entre os nomes de vanguarda que o assinaram estavam, além de Anísio Teixeira, Fernando de Azevedo (1894-1974), que aplicou a sociologia à educação e reformou o ensino em São Paulo nos anos 1930, o professor Lourenço Filho (1897-1970) e a poetisa Cecília Meireles (1901-1964). A atuação desses pioneiros se estendeu por décadas, muitas vezes criticada pelos defensores da escola particular e religiosa. Mas eles ampliaram sua atuação e influenciaram uma nova geração de educadores como Darcy Ribeiro (1922-1997) e Florestan Fernandes (1920-1995). Anísio foi mentor de duas universidades: a do Distrito Federal, no Rio de Janeiro, desmembrada pela ditadura de Getúlio Vargas, e a de Brasília, da qual era reitor quando do golpe militar de 1964.

Para pensar
As escolas comunitárias americanas inspiraram a concepção de ensino de tempo integral de Anísio Teixeira. Lá, no entanto, a jornada dificilmente tem mais do que seis horas diárias. O conceito entre nós ampliou-se consideravelmente: escola de pelo menos oito horas e, no caso dos Cieps, uma instituição que deveria dar conta de todas as necessidades das crianças, até mesmo de cuidados maternos e moradia. Numa realidade na qual os recursos são limitados, o problema é de prioridades e decisões difíceis: manter uma escola com esse modelo para uma minoria ou manter um modelo menos ambicioso para a maioria? Afinal, Anísio também propunha uma escola para todos.

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