Celso Furtado, história e desenvolvimento: ideias para o presente

 (A princípio, este ensaio constituiu o texto-base de um seminário ministrado pelo autor na Universidade Trás-os-Montes e Alto Douro/Portugal. Posteriormente, foi publicado em diferentes veículos. Manteve-se o grafo da escrita usada em Portugal)

 

Celso Furtado 


Por Ivonaldo Leite*

I - INTRODUÇÃO

O que se deve entender por História Económica?

Eis a pergunta que, numa abordagem como a presente, desde logo vem à tona. Convém, portanto, à partida, pôr em realce o modo como, aqui, ela é concebida.

Ao tratar do assunto, o historiador inglês Eric Hobsbawm disse sem meias-palavras que, « divorciada da História, a Economia é um navio desgovernado e os economistas sem a História não têm muita noção [de] para onde o navio navega» (1). Certo. Mas o problema é que, como o próprio Hobsbawm reconhece, não temos uma única História Económica. É correcto falar da existência, pelo menos, de duas. Isto é, a História Económica dos historiadores e a dos economistas. E assim, por esta via, deparamo-nos com formulações que são, sobretudo, teoria neoclássica projectada para trás, ao que se segue a cliometria (2), com a sua econometria retrospectiva, tão ao gosto dos economistas norte-americanos que, nos anos 1960/1970, se detiveram no estudo do papel que as ferrovias desempenharam no desenvolvimento dos Estados Unidos durante o século XIX. Perante tal pluralidade conceptual, precisamos nos entender a respeito da matéria.

Para isto, parece-me que a ideia de história total da francesa Escola dos Annales , constitui-se uma referência que pode proporcionar significativos contributos. Sim, pois na medida em que ela pleiteia uma história que assimila as outras ciências sociais (3), tem-se um arcabouço epistemológico que, com os dispositivos conceptuais que ele aporta, torna possível, a meu ver, uma definição ampliada da História Económica, permitindo a apreensão dos processos com os quais esta se encontra imbricada, donde decorre, portanto, que se pode alcançar uma compreensão integral dos fenómenos que ocorrem em seu campo.

Mais precisamente, a abordarem que levo a efeito, situada no contexto da História Económica dos historiadores, entende que se pode definir ela como a História « que se apoia não só sobre anotações numéricas, mas também a que se preocupa com todos os problemas económicos» (4). Como decorrência, deve ser considerado, por exemplo, que « a História Rural também diz respeito à História Económica. A fortiori, a das cidades. Mas uma e outra se intrometem também na História Social. Acrescente-se ainda as análises globais sobre o capitalismo, sobre a evolução dos preços, dos rendimentos, dos salários, etc» (5) .

Ao fim e ao cabo, de forma sintetizada, talvez seja a denominação História Económica e Social que capte e expresse apropriadamente os propósitos da historiografia em tal horizonte (6). Neste sentido, interessa considerar a economia relacionada com a estrutura e as mudanças da sociedade, resultando daí a necessidade de se ter em atenção a actuação dos sujeitos individuais e colectivos. Trata-se, em suma, de um campo, como diz Hobsbawm, « mais amplo que o campo convencional da economia» (7).

II - CELSO FURTADO E O MÉTODO: O ENFOQUE ESTRUTURALISTA

O percurso e a obra de Celso Furtado (1920-2005) consagram-lhe pela universalidade, à maneira hegeliana. Originário do Nordeste brasileiro (do estado da Paraíba), onde viveu até aos vinte anos, desde cedo ateve-se à cultura clássica, tendo profundo gosto pela História, campo disciplinar este a partir de onde fez conexão com os temas económicos. Como decorrência, durante os estudos universitários no Rio de Janeiro, foi-se interessando por questões de Administração, embora estivesse matriculado no curso de Direito. Ao fim deste, rumou para a Europa, como membro da Força Expedicionária Brasileira (FEB), para combater o fascismo. Terminada a Segunda Guerra, voltou ao Brasil, para, em seguida, regressar novamente ao continente europeu, com o propósito de fazer o Doutoramento em Economia na Sorbonne, título que obteve em 1948.

Da França para a América do Sul outra vez, tornou-se funcionário das Nações Unidas (ONU), no âmbito da recém criada Comissão Económica para a América Latina (CEPAL), sediada em Santiago do Chile. Aí permaneceu durante dez anos, tomando contacto próximo com os países da região e em interlocução com os Estados Unidos e a Europa. Em 1959, assumiu funções de Estado no Brasil, primeiro à frente da Superintendência de Desenvolvimento do Nordeste (SUDENE) e, depois, como Ministro do Governo João Goulart, que viria a ser derrubado pelo Golpe Civil-Militar de 1964. Furtado teve os seus direitos civis e políticos cassados, pelo que buscou asilo no Chile. A partir de então, deu curso pleno à carreira de professor universitário e investigador, nos Estados Unidos (Yale e Columbia), em Inglaterra (Cambridge) e em França, onde se fixou em definitivo na Sorbonne.

Foi com a marca desse percurso que Celso Furtado construiu a sua vasta obra. E qual é o modus operandi utilizado nessa construção? A indagação nos leva ao enfoque metodológico por ele promovido em Economia.

"Nunca pude compreender a existência de um problema estritamente económico", disse-nos Furtado (8), num tom de retrospectiva da sua longa jornada de meio século. Pronunciada num momento de balanço, esta não é uma declaração casual. Ela é paradigmática do modo como a obra furtadiana concebe a Economia. Isto é, em Celso Furtado, a Economia é indissociável principalmente da História, pelo que então, em seu pensamento, não se alimenta a dicotomia entre a História Económica dos economistas e a dos historiadores, conforme ainda há pouco pus em realce. De alguma forma, a meu juízo, ele pode até mesmo ser apresentado, também, como uma espécie de historiador da civilização industrial , expressão esta que tantas vezes utilizou, analiticamente, no trabalho de compreensão das configurações económicas modernas.

Fundamentalmente, aqui, estamos diante de elementos que consubstanciam a perspectiva metodológica de Furtado, isto é, o « enfoque estruturalista» , que, esclareça-se, « não tem relação directa com a escola estruturalista francesa, cuja orientação básica consistia em privilegiar o eixo das sincronias na análise social, o que a levou a construir uma sintaxe das disparidades nas organizações sociais» (9). O estruturalismo furtadiano empenha-se « em destacar a importância dos parâmetros não-económicos dos modelos macro-económicos» (10). Isto porque, de acordo com a sua compreensão, o comportamento das variáveis económicas depende em grande medida desses parâmetros, que se definem e evoluem num contexto histórico, não sendo possível, portanto, « isolar o estudo dos fenómenos económicos de seu quadro histórico» (11). Ou seja, a « visão global derivada da história, ao apoiar-se no conceito de sistema de forças produtivas, produziu o enfoque (...) estruturalista» (12).

Basicamente, o enfoque estruturalista é uma denúncia da falência do método neoclássico, como a-histórico, na análise económica, e um reconhecimento da necessidade de historicizá-la.

III - A ECONOMIA INTERNACIONAL SOB A PERSPECTIVA FURTADIANA

Munido da referida orientação metodológica, Celso Furtado desenvolve então a sua abordagem da economia mundial. E, desde logo, o que ele faz é uma apreciação crítica das concepções então hegemónicas sobre o comércio internacional, questionando as formulações neoclássicas e marginalistas. Para os nossos propósitos, convém, portanto, passar em revista as elaborações que, criticamente, Furtado tem em consideração, mesmo que não se aprofunde a discussão a respeito, até porque, entre pessoas de mente treinada nos jogos do espírito, fica sempre subentendido que as teses são propostas cum grano salis .

O ponto de partida da teoria do comércio internacional é a "lei das vantagens comparativas", formulada por Ricardo (13). Em termos simples, Ricardo assinala que o comércio internacional levará à especialização da produção por países, de acordo com os custos relativamente menores da mão-de-obra, e que este processo gerará ganhos para todas as nações. Deste modo, conforme o seu exemplo clássico, o custo unitário da mão-de-obra para a produção vinícola e têxtil é menor em Portugal do que na Inglaterra. Contudo, a vantagem comparativa dos custos da mão-de-obra é maior no caso da produção de vinhos do que na de tecidos, e seria portanto mais vantajoso, para ambos os países, produzir vinho em Portugal e têxteis na Inglaterra.

Mais adiante, os economistas neoclássicos questionaram a teoria do valor proposta por Ricardo, baseada nos custos da mão-de-obra. Enfatizaram, no que se refere à teoria do comércio internacional, que os custos comparativos não se limitariam aos custos do trabalho, mas que os custos de outros factores de produção, como o capital e a terra, também, constituiriam custos relativos no cálculo das vantagens comparativas entre países. "Vira o disco e toca o mesmo": com esta nova formulação, as teorias neoclássicas do comércio internacional mantiveram a lei ricardiana das "vantagens comparativas".

Vai ser, talvez, Bertil Ohlin (14) quem oferece a versão mais completa da teoria neoclássica do comércio internacional. Ele pretende, a um só tempo, explicar os ganhos do comércio e analisar o seu efeito internacional sobre a remuneração dos factores de produção. Como corolário das elaborações de Ohlin a respeito da especialização da produção e do aproveitamento dos seus factores, de acordo com os recursos disponíveis num país, infere-se que o comércio pode levar à relativa equalização da remuneração dos factores da produção entre as nações.

O comércio se transformava, assim, num instrumento adequado para reduzir as desigualdades entre os países. Contudo, esta discussão não foi promovida apenas por Ohlin, visto que sua hipótese ampliava outras formulações, designadamente os estudos de Hecksher a propósito do assunto (15). Outras indagações então foram feitas, como: a suposta equalização da remuneração dos factores produzida pelo comércio internacional seria relativa ou absoluta, completa (quer dizer, seriam totalmente eliminadas as diferenças entre as economias nacionais) ou parcial?

Para Ohlin, havia apenas uma tendência à equalização relativa da remuneração dos factores, conquanto a equalização completa suporia a total mobilidade dos factores. Esta última hipótese não pode ser adoptada pela teoria internacional pura do comércio, visto que implica a homogeneização do espaço económico com o qual destrói a razão fundamental do comércio internacional, isto é, a especialização da produção.

É sobretudo com Samuelson que a teoria do comércio internacional ganha um carácter extremo (16). Ele apoia-se num raciocínio matemático formal para demonstrar que se um conjunto de hipóteses sobre o comércio internacional fosse sustentado, ocorreria uma equalização completa absoluta da remuneração dos factores. Entretanto, posteriormente, Samuelson não prosseguiu levando a sua hipótese às últimas consequências. O que não impediu que os partidários mais activos das "vantagens comparativas" e do livre comércio como panaceia para corrigir desigualdades dos factores de produção e da disponibilidade de recursos entre nações de tal modo procedessem.

Pois bem, voltando ao nosso autor, o que pensa então Furtado da teoria do comércio internacional comandada pela "lei das vantagens comparativas", com seu malbaratamento neoclássico e marginalista? Sem rodeios: Furtado põe em causa a doutrina das "vantagens comparativas".

Para ele, assim como para a CEPAL (da qual, ao lado do economista argentino Raúl Prebisch e outros, foi um dos principais teóricos), a economia internacional constitui um todo estruturado em torno de um centro e de uma periferia . Neste quadro, a "lei das vantagens comparativas" torna-se numa espécie de "lei das desvantagens reinteractivas". Isto porque os países centrais passam a ser predominantemente produtores e exportadores de manufacturados, enquanto os periféricos se especializam na produção de bens primários, instaurando-se assim (por meio da desigualdade na relação de troca no comércio internacional) um mecanismo de sucção do excedente económico dos países periféricos, por parte das economias dos países centrais, que significa, ao mesmo tempo, a reiteração da condição da periferia como produtora de bens primários.

Portanto, segundo Furtado, as coisas se passam de modo inverso do apregoado pela doutrina das "vantagens comparativas". A mão invisível do mercado, comandando ortodoxamente o comércio internacional, o que fazia era acentuar as desigualdades, ao invés de as corrigir (17). Neste quadro, aponta-se a deterioração constante dos termos de intercâmbio ( terms of trade ), verificando-se a tendência ao declínio dos preços dos produtos primários.

Por que isto? Qual a origem desta situação?

Furtado responde-nos com a História na mão: só entenderemos adequadamente tal configuração se considerarmos a divisão internacional do trabalho instituída pela expansão do capitalismo mercantil europeu entre os séculos XVI e XVIII. Como consequência, afirma:

«Uma observação (...) da história moderna põe em evidência que formações sociais assinaladas por grande heterogeneidade tecnológica, marcadas desigualdades na produtividade do trabalho entre áreas rurais e urbanas, uma proporção relativamente estável da população vivendo ao nível de subsistência, crescente subemprego urbano, isto é, as chamadas economias subdesenvolvidas, estão intimamente ligadas à forma como o capitalismo industrial cresceu e se difundiu desde os seus começos» (18) .

É com esta perspectiva sobre a economia internacional que ele vai ter em conta a temática do desenvolvimento e do subdesenvolvimento, como faces da civilização industrial.

IV - AS DUAS FACES DA CIVILIZAÇÃO INDUSTRIAL: DESENVOLVIMENTO & SUBDESENVOLVIMENTO

Como Celso Furtado concebe a civilização industrial?

Num dos seus últimos trabalhos, ele sintetiza uma resposta para esta questão, formulando-a nos seguintes termos:

«A civilização industrial resulta da acção convergente de dois processos de criatividade cultural: a revolução burguesa e a revolução científica. Revolução burguesa entendida como imposição da racionalidade instrumental à organização da produção, e revolução científica entendida como predominância da visão da natureza, a qual é considerada como sistema dotado de uma estrutura racional e escrita em caracteres geométricos» (19).

Como se sabe, este foi um processo que teve lugar no continente europeu, onde, a partir do século XVIII, surgiu um núcleo industrial realizando uma modificação qualitativa na economia mundial da época e, assinala Furtado, condicionando o desenvolvimento económico subsequente em quase todas as regiões da terra. A acção desse poderoso núcleo em expansão passou a exercer-se em três direcções distintas, direcções que, para os nossos intentos nesta démarche , convém tê-las em apreciação de modo pormenorizado (20).

primeira direcção marca a linha de desenvolvimento, dentro da própria Europa Ocidental, no quadro das divisões políticas que se haviam cristalizado na época mercantilista. Quer dizer, neste caso, o desenvolvimento assumiu a forma de desorganização da economia artesanal pré-capitalista e de progressiva absorção dos factores liberados, a um nível mais alto de produtividade. Neste processo, identificam-se duas fases: num primeiro momento, a liberação de mão-de-obra é mais rápida do que a absorção, o que torna a absorção desse factor totalmente elástica; num segundo, a oferta da mão-de-obra, resultante da desarticulação da economia pré-capitalista, tende a esgotar-se. Caberá, então, ao progresso técnico dar flexibilidade ao sistema económico, garantindo que os factores se combinem em proporções compatíveis com a oferta de bens de capital, a qual reflicta o padrão de distribuição da renda que se cristaliza no período anterior. Assim, o desenvolvimento da técnica passa a ser cada vez mais condicionado pela disponibilidade relativa de factores nos centros industriais.

segunda direcção de desenvolvimento da economia industrial europeia consistiu num deslocamento de mão-de-obra, capital e técnica, para além de suas fronteiras, onde quer que houvesse terras ainda desocupadas e de características similares às da própria Europa. Factores vários são responsáveis pelo início dessa expansão. No caso da Austrália e do Oeste norte-americano, o ouro desempenhou um papel básico. A revolução dos transportes marítimos, permitindo trazer cereais de grande distância, para competir no mercado europeu, foi decisiva em outros casos. Contudo, importa ter em conta que esse avanço da fronteira não se diferenciava, no fundamental, do processo de desenvolvimento da própria Europa, do qual fazia parte, por assim dizer: as economias australiana, canadiana ou estadunidense, nessa fase, eram simples prolongamentos da economia industrial europeia. As populações que emigravam para esses novos territórios levavam as técnicas e os hábitos de consumo da Europa e, ao encontrarem maior abundância de recursos naturais, alcançavam, rapidamente, níveis de produtividade e renda bastante altos. Como essas "colónias" só eram estabelecidas onde existia uma base de recursos naturais muito favorável, explica-se que suas populações hajam alcançado, desde o princípio, elevados níveis de renda, comparativamente aos dos países europeus.

terceira direcção da expansão da economia industrial europeia foi para as regiões já ocupadas, algumas delas densamente povoadas, com sistemas económicos seculares, de variados tipos, mas todos de natureza pré-capitalista. O contacto das vigorosas economias capitalistas com essas regiões dotadas de velhas estruturas sociais não se fez de maneira uniforme. Nalguns casos, o interesse limitou-se à abertura de linhas de produção de matérias-primas, cuja procura crescia nos centros industriais. Ou seja, o efeito do impacto da expansão capitalista sobre essas estruturas variou ao sabor das circunstâncias locais, do tipo de penetração capitalista e da intensidade desta. Entretanto, a decorrência foi quase sempre a criação de estruturas dualistas , uma parte das quais tendia a organizar-se à base da maximização do lucro e da adopção de formas modernas de consumo, conservando-se a outra parte dentro de formas pré-capitalistas de produção.

É deste movimento em três direcções que, segundo Furtado, se estruturam, na civilização industrial, um centro e uma periferia . Ou seja, este é o processo responsável pelo surgimento de países desenvolvidos e subdesenvolvidos. Como? Ele explica-nos.

Dos movimentos em função da primeira e segunda direcções , resultam sobretudo economias desenvolvidas, tendo-se o inverso no que se refere ao movimento da terceira direcção , quer dizer, economias subdesenvolvidas, sendo que isto, ao mesmo tempo, alimenta o núcleo desenvolvido da civilização industrial.

Fundamentalmente, do movimento em função da terceira direcção , decorre, quase sempre, a constituição de sectores organizados à base da maximização do lucro e da adopção de modernas formas de consumo, em paralelo com a conservação de outros sectores não-modernos, pré-capitalistas, o que gera a estrutura sócio-económica dualista que origina o fenómeno do subdesenvolvimento contemporâneo, o qual Furtado aborda tendo como referência empírica sobretudo os países latino-americanos.

Mais concretamente: nos países subdesenvolvidos, o sector "moderno" é o sector exportador de bens primários, que tem, no entanto, a sua dinâmica condicionada pela demanda externa, donde resulta que, pela deterioração dos termos de intercâmbio, ocorre a sucção do seu excedente. O sector atrasado é representado pela larga produção agrícola de subsistência, que, entende Furtado, não cria mercado interno, não atende aos requisitos da demanda de alimentos e nem cumpre sequer a clássica função de "exército de reserva".

Porém, a modernidade do sector "moderno" é relativa. Ele é "moderno", por exemplo, porque o seu funcionamento não é em vista de parâmetros pré-capitalistas, pois ele se encontra conectado ao mercado como exportador de produtos primários. Contudo, aqui está o problema. Ele faz-se "moderno" unicamente para si, na medida em que tende a apenas reproduzir sua condição, o que significa reproduzir a condição do país no quadro da divisão internacional do trabalho como país subdesenvolvido.

Por quê?

Basicamente, porque, de acordo com a compreensão furtadiana, com a deterioração dos termos de intercâmbio, o sector exportador não tem como desempenhar o papel de transformador das estruturas económicas e sociais internas. Ademais, o "atraso do sector atrasado", ao elevar os preços dos alimentos, contribui para elevar os salários do sector "moderno", constituindo-se em obstáculo para a expansão deste.

Da "contradição sem negação" entre os sectores "moderno" e "atrasado", com diz Francisco de Oliveira (21), a pena de Furtado fez vir à lume a tese da inflação estrutural . Esta é estrutural num duplo sentido: por, em primeiro lugar, a contínua deterioração dos preços de intercâmbio entre as economias centrais e periféricas obrigar estas a aumentarem constantemente a produção em volume físico, para compensar a queda dos preços internacionais das mercadorias que exportam; e, por, em segundo lugar, a inelasticidade da oferta agrícola de alimentos produzidos pelo sector "atrasado" elevar os preços e instaurar uma corrida entre preços e salários no sector "moderno".

Quer dizer, seja como for, o que está em causa é a menor capacidade de acumulação na periferia do sistema, o que leva então Furtado a abrir o debate em torno de uma política específica para promover a acumulação e o desenvolvimento, afinal, entende, « o subdesenvolvimento é um processo histórico autónomo, e não uma etapa pela qual tenham, necessariamente, passado as economias que já alcançaram grau superior de desenvolvimento» (22). Ele é, portanto, arremata, « uma deformação estrutural a ser corrigida» (23).

V - ESTADO, INDUSTRIALIZAÇÃO E DESENVOLVIMENTO

O que então propõe Furtado, para enfrentar o problema do subdesenvolvimento? A sua aposta é na industrialização.

Por quê?

Fundamentalmente porque, com a industrialização, acredita que todos os problemas da periferia podem ser resolvidos. Por exemplo, por um lado, compreende, corta-se o "nó górdio" da relação que deteriora continuamente os preços de intercâmbio, pois supõe que se os países periféricos passarem a exportar produtos manufacturados, ao invés de bens primários, a relação de intercâmbio modificar-se-ia favoravelmente a eles; por outro, assinala, põe-se fim à inflação estrutural que advém da insuficiente dinâmica do sector externo, resultante precisamente da relação de intercâmbio desfavorável. De outra parte, perante a questão da oposição entre o sector "moderno" e o sector "atrasado", que debilita o mercado interno e gera uma inflação de custos e preços desfavorável à expansão do "moderno" (que passa a ser a indústria), se propõe a reforma agrária com o propósito de que ela, ao mesmo tempo que aumente a oferta de alimentos, crie o mercado interno, desbloqueando a acumulação, no sentido de viabilizar a industrialização.

Mas, quem deve coordenar a implementação da industrialização? Celso Furtado é claro a este respeito.

Para ele, trata-se de um trabalho a ser levado a efeito por um Estado-planeador , situado acima das contradições sociais (que, supõe-se, deverão desaparecer ao longo do processo) e adaptado à adopção de um programa de desenvolvimento que responda eficientemente às exigências gerais do processo de acumulação. Quer dizer, em conformidade com os pressupostos do seu pensamento, a proposição de Furtado contrapõe-se às políticas económicas propugnadas pelas versões extremas do laissez-faire.

Como decorrência, no plano das principais metas e dos instrumentos de política económica para alcançá-las, basicamente a posição furtadiana, como de resto a da CEPAL, deambulou em torno dos seguintes postulados: industrialização e "sadio proteccionismo"; política adequada de alocação de recursos estrangeiros; programação de substituição das importações; atenção para não diminuir os salários, no sentido de se evitar a redução da capacidade de consumo.

Coloca-se ênfase na necessidade da industrialização "programada", com os necessários mecanismos de controles cambiais. A implementação destas políticas supõe, como é evidente, a defesa do deslocamento dos centros de decisão para a periferia e, consequentemente, o fortalecimento da capacidade decisória e regulamentadora do Estado.

Mais adiante, Furtado incorpora às suas formulações em prol da industrialização a ideia de integração entre economias subdesenvolvidas, mas, já de antemão, adverte que os efeitos podem ser distintos. Isto o leva então a elaborar uma tipologia de integração em condições de subdesenvolvimento, donde convém realçar, por exemplo, as linhas gerais em duas perspectivas (24).

primeira perspectiva , diz respeito ao caso dos países em que o processo de industrialização praticamente ainda não se iniciou e cujos mercados são de reduzidas dimensões. Como a integração deverá permitir o começo da industrialização, ou seja, a instalação de indústrias de reduzida economia de escala (têxtil, alimentos, etc.), é possível que as principais vantagens por ela proporcionadas estejam do lado da aglomeração. Os mesmos factores que provocam a concentração de indústrias num país levariam à sua concentração numa região formada por um grupo de países. Entretanto, deve-se ter em conta que esse tipo de integração, apoiado sobretudo nas vantagens da aglomeração, tende a favorecer desigualmente os países que se integram, ou a exigir um planeamento amplo, coordenado (incluindo política fiscal, de salários e preços), caso se pretenda evitar a tendência à concentração geográfica dos frutos do desenvolvimento.

A segunda perspectiva , concerne à integração de economias com graus distintos de industrialização. Nesse caso, a integração tende a unir as economias de aglomeração às de escala, favorecendo, de preferência, o país mais industrializado. Pode ocorrer mesmo uma regressão da economia menos desenvolvida, como aconteceu no Sul da Itália, na segunda metade do século XIX.

Se são semelhantes os níveis de industrialização, a integração favorecerá, prioritariamente, o país onde se localizam as indústrias que mais se beneficiam de economias de escala de produção.

Em forma de balanço, pode dizer-se, portanto, que o que marca o pensamento de Celso Furtado é a preocupação com a dicotomia desenvolvimento & subdesenvolvimento, como, aliás, ele próprio revela, ao afirmar que: « se tivesse que singularizar uma ideia sintetizadora de minhas reflexões de economista sobre a história, diria que ela se traduz na dicotomia desenvolvimento-subdesenvolvimento» (25) .

No entanto, também em tom de balanço, tendo em conta os novos fenómenos e as novas problemáticas do cenário político-económico internacional, num mundo agora globalizado, o último Furtado manifesta descrença com os rumos tomados pela civilização industrial, pondo em questão o próprio desenvolvimento como garantia, per si , de bem-estar colectivo, mesmo nos países centrais. Desta forma, enfatiza:

« Hoje, faço uma reflexão complementar: o desenvolvimento dos países que estão na vanguarda do progresso tecnológico também parece ter tomado uma direcção errada, que leva a outro tipo de bloqueio. Há mais de vinte anos, já me parecia claro que a entropia do universo aumenta, isto é, que o processo global de desenvolvimento tem um considerável custo ecológico. Mas só agora esse processo se apresenta como uma ameaça à própria humanidade. O facto é que a civilização industrial e o modelo de vida por ela engendrado têm um custo considerável em recursos não-renováveis. Generalizar esse modelo para toda a humanidade, o que é a promessa do chamado desenvolvimento económico, seria apressar uma catástrofe planetária que parece inevitável se não se mudar o curso desta civilização» (26).

Como decorrência de questões como estas, o último Celso Furtado vai então chamar a atenção para os novos desafios resultantes dos rumos tomados pela civilização industrial, abrindo, portanto, a discussão no sentido de se encontrar caminhos alternativos para o desenvolvimento (27).

VI - À GUISA DE CONCLUSÃO: NOVOS DESAFIOS E ELEMENTOS PARA UMA TEORIA DO DESENVOLVIMENTO LOCAL

Ao realizar a retrospectiva do seu percurso e, ao mesmo tempo, analisar a realidade contemporânea, Celso Furtado, além de realçar os problemas ecológicos originados pela civilização industrial, afirma: « A globalização em escala planetária das actividades produtivas leva (...) à grande concentração de renda, contrapartida do processo de exclusão social (...)» (28). Portanto, infere, estão colocados novos desafios ao desenvolvimento.

Quais?

Ele responde-nos sem titubear: « Os novos desafios (...) são de carácter social, e não basicamente económico como ocorreu na fase do desenvolvimento do capitalismo. A imaginação política terá assim que passar a primeiro plano» (29) Além da imaginação política, noutro sítio (30), refere a necessidade de se introduzir ousadia no trabalho de análise social. Pelo que então enfatiza:

«Ao cabo de uma jornada de meio século (...), permito-me arriscar-me a abrir algumas pistas para a orientação dos jovens (...) e menos jovens. O valor do trabalho de (...) qualquer pesquisador, resulta da combinação de dois ingredientes: imaginação e coragem para arriscar na busca do incerto. As ciências (...) evoluem graças aos que são capazes de ultrapassar certos limites. (...) Quando o consenso se impõe a uma sociedade, é porque ela atravessa uma era pouco criativa. Ao se afastar do consenso, o jovem (...) perceberá que os caminhos já trilhados por outros são de pouca valia. Logo notará que a imaginação é um instrumento de trabalho poderoso, e que deve ser cultivada. Perderá em pouco tempo a reverência diante do que está estabelecido e compendiado. E, à medida que pensar por conta própria, com independência, conquistará a autoconfiança» (31).

Ao assinalar que os novos desafios, hoje, em torno do desenvolvimento, são de carácter social - com apelo à acção política - e, ao mesmo tempo, encorajar a imaginação e a criatividade no trabalho de análise da realidade, Furtado, a partir dos seus dispositivos conceptuais, não só redirecciona o modo de compreensão daquele, como também incita o aprofundamento deste redireccionamento, no sentido de se buscar caminhos alternativos.

É desta forma que, recorrendo a categorias suas ou utilizadas por ele, mas levando-as mais adiante, podemos, partindo do seu pensamento, bosquejar elementos úteis à formulação de uma teoria do desenvolvimento local. Em panorama, passemos em revista a alguns destes.

O primeiro elemento, refere-se à dimensão cultural do desenvolvimento. Aqui, há que ter como ponto de partida, por exemplo, que a qualidade de vida nem sempre melhora com o avanço da riqueza material, e isto não se refere ao facto de, em países com elevada renda per capita , poder persistir um importante contigente da população que sequer chega a satisfazer as suas necessidades básicas. Trata-se, em realidade, do facto de existirem « segmentos populacionais que, embora conheçam uma significativa elevação do seu nível de vida material, continuam prisioneiros de estreitos padrões culturais» (32)Com efeito, reproduzem, sem questionamento, os estratificados modelos culturais do passado e/ou os que lhes são impostos.

Neste último caso, pode acontecer de os padrões culturais serem ditados do estrangeiro, na medida em que (em decorrência da forma como ocorre o comércio internacional e o processo de acumulação) é aí que são chancelados os modos de comportamento tidos como "universais". Quer dizer, a aquisição de bens nas comunidades locais é, « em grande parte, comandada do exterior, em função dos interesses dos grupos que dirigem as transacções internacionais» (33)Como consequência, a coerência interna dos seus sistemas de cultura é submetida a pressões arrasadoras; assim, por exemplo, « certas formas de urbanização podem conduzir à destruição de um importante património cultural» (34).

De qualquer forma, tanto no caso da estreita reprodução de estratificados padrões culturais do passado como na assimilação de modos de comportamentos chancelados no estrangeiro, o que está em causa é a ausência de reflexão autónoma por parte das comunidades locais, no sentido de levar a efeito a crítica e a autocrítica das suas opções.

Até como decorrência do primeiro elemento , embora eles não se estruturem conforme uma rígida ordem hierárquica, somos postos perante o segundo: a questão da identidade. Sim, pois a reprodução de padrões culturais e a assimilação exógena de modos de comportamento estão imbricadas com a conservação/(re)construção do perfil identitário das/nas comunidades (35). Tenhamos em consideração, por exemplo, a relação entre a questão da identidade e a assimilação de modos exógenos de comportamento - o que não significa, no entanto, negar a discussão sobre as implicações analíticas relativas à outra vertente do primeiro elemento (a reprodução de estreitos padrões culturais passados). A este respeito, é-me suficiente dizer que as identidades requerem reprodução, mas não necessariamente elas reproduzem dinâmicas convergentes com o "progresso civilizacional" e, assim, lembrando Rousseau, também não necessariamente respeitam/aperfeiçoam o contracto social (36). Mas isto não significa desconhecer, claro está, que a conservação delas demanda a reprodução de valores da "matriz cultural" de onde são originárias, e, por vezes, como a seguir penso que se perceberá, tal deve ser concebido - em função de "influxos culturais exógenos" - como uma "necessidade auto-afirmativa".

Pois bem, que ilação pode ser tirada da relação entre a identidade das/nas comunidades locais e a prevalência que sobre elas exerce a lógica da acumulação, manifestada, por exemplo, pela imposição de padrões de comportamento?

Conforme Furtado, ocorre uma ruptura no quadro de valores que enforma a sua memória colectiva, na medida em que, como resultado da promoção de novos padrões de comportamento, despreza-se, sem critérios, a história até então vivida, negando-se a identidade cultural como conceito que « enfeixa a ideia de manter com [o] passado uma relação enriquecedora do presente» (37) .

Quer dizer, há que se tratar esta matéria indagando-se sobre as conexões (e suas consequências) existentes entre « a cultura como sistema de valores e o processo de acumulação que está na base da expansão das forças produtivas. Trata-se de contrastar a lógica dos fins, que rege a cultura, com a lógica dos meios, razão instrumental inerente à acumulação puramente económica» (38)Ao fim e ao cabo, o que, aqui, está em causa é a seguinte questão: como preservar o "universo de pertença" local, em face da introdução (que chega mesmo a ser necessária) de instrumentos técnicos e de bens que, se por um lado, aumentam a capacidade operacional e põe à disposição das comunidades os mais diversos produtos, por outro, « são vectores de mensagens que (...) distorcem a identidade cultural?» (39) Não é fácil equacionar esta questão, principalmente actualmente, pois, como diz Furtado, tal problemática se apresenta « hoje em graus diversos por todas as partes, à medida que a produção de bens culturais transforma-se em negócio ciclópico e que uma das leis que rege esse negócio é a uniformização dos padrões de comportamento, base da criação dos grandes mercados» (40).

Se ocorre assim é porque, conforme a compreensão furtadiana, o processo de acumulação marcha sobre dois pés: inovação , que permite discriminar entre consumidores, e difusão , que conduz a homogeneização de formas de consumo. Ao consumidor, é reservado um papel essencialmente passivo. Cabe-lhe responder "correctamente" a cada estímulo oriundo das formas de consumo, em função do processo de acumulação (41). Há uma tendência no sentido de subordinar a vida local, como projecto comunitário, a meros processos adaptativos decorrentes do "funcionamento puro" do mercado.

O que fazer então? Por via desta indagação, chegamos a um terceiro elemento propício à formulação de uma teoria do desenvolvimento local: a actuação das forças sociais .

Ora, é um dado adquirido no seio da História Económica e Social que « a formação das sociedades modernas não se deve apenas à emergência de novas técnicas. Foi graças à pressão de forças sociais que os salários subiram acompanhando os incrementos de produtividade, que foram criados os sistemas de previdência social e se definiram as políticas de ajuda a regiões menos desenvolvidas» (42). Estas forças sociais, que são representadas pelos diversos movimentos e formas de associação da sociedade civil, moldaram, com suas acções/mobilizações, a partir das realidades locais , a estruturação sistémica moderna, dando-lhe uma fisionomia diferente da sua face original.

Pois pronto: no tocante ao desenvolvimento local, principalmente tendo em conta as implicações em torno da dimensão cultural e da questão da identidade , como elas foram realçadas, a indicação a apreender da obra de Furtado diz respeito à necessidade de apostar na actuação das forças sociais locais como forma de procurar garantir que tal desenvolvimento assegure, por exemplo: a conciliação entre o direito às escolhas e o direito às raízes; a interacção da cultura local com outras culturas, na perspectiva de se construir um cosmopolitismo comunitário; a estruturação de sociabilidades comunitárias; o estabelecimento de mecanismos de democracia participativa , em função dos limites da democracia representativa , o que, de alguma forma, significa resgatar a tradição da ágora grega ; a adopção de um enfoque económico qualitativo , considerando as dimensões ambientais e a integração solidária da população local.

Não se pode perder de vista, entretanto, que o não-desenvolvimento local é um subdesenvolvimento no sentido forte, como diz Francisco de Oliveira, aludindo um dos principais conceitos furtadianos (43), o que termina, em última instância, por recolocar a discussão clássica sobre o assunto.

No entanto, seja como for, importa assinalar que, sendo a História movimento , um permanente devir , e dado o carácter actual de teses da obra de Furtado, o seu lugar nos quadros da História Económica continua a (re)definir-se, na medida em que ele inspira a produção de novas formulações analíticas, como ocorre no caso do desenvolvimento local. O que é próprio das teorias criativas. Afinal, estas, por negarem o dogmatismo, abrem caminho para que se vá adiante na construção de novos modelos de abordagem. Portanto, não há que se escrever lápides para as ideias de Celso Furtado. Trocando de pena como só acontece com ideias-força, elas manter-se-ão vivas em outros contextos e com outras cores. Continuarão a fazer aquilo que foi uma das marcas da sua análise social : construir conceitos e procedimentos para tratar dos problemas postos pela realidade.         

 

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(*) Ivonaldo Leite é sociólogo, PhD pela Universidade do Porto/Portugal, tendo realizado pós-doutoramento no Departamento de Sociologia da Facultad de Ciencias Sociales de la Universidad de la República/Montevideo. 

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Notas:

(1) - HOBSBAWM, Eric, Sobre História, tradução de Cid Knipel Moreira, 1ª ed., São Paulo: Companhia das Letras, 1998, p. 118.

(2) - A denominação cliometria vem de Clio , a deusa inspiradora dos estudos do passado e suas mediações quantitativas.

(3) - Como se sabe, a chamada Escola dos Annales introduziu uma nova forma de se conceber a História, pondo a disciplina no âmbito mais estrito das ciências sociais, o que significou uma mudança no tipo de formação dos historiadores em todo o mundo. Em síntese, pode dizer-se que (1) a Escola foi responsável pela superação da abordagem historiográfica centrada na tradicional narrativa dos acontecimentos, passando a priorizar uma história-problema ; 2) adotou um enfoque voltado para todas as actividades humanas, não se ocupando apenas da história política; 3) em complemento a estas duas orientações, buscou apropriar-se dos dispositivos do campo de disciplinas como a sociologia, economia, geografia, psicologia, linguística, antropologia social, etc. A este respeito, Lucien Febvre, uma das principais referências da Escola, costumava realizar um paradigmático apelo imperativo: Historiadores, sejam geógrafos. Sejam juristas, também, e sociólogos, e psicólogos (...), in FEBVRE, Lucien, Combats pour l'histoire. Paris: Armand Colin, 1952, p. 32.

(4) - NOUSCHI, André, Iniciação às Ciências Históricas, tradução de Maria da Conceição Morais Sarmento, 1ª ed., Coimbra: Almedina: 1986, p. 117.

(5) - Ibidem: 117.

(6) - Embora se deva admitir que o campo histórico testemunhou a autonomização do social em relação ao económico, consubstanciada na História Social, que, amiúde, partilha espaço com a Sociologia. Mais ainda: Hobsbawm propõe que se vá mais longe e tenhamos uma História da Sociedade, na busca da história total . Cf. HOBSBAWM, Eric, ob. cit ., 1998, nomeadamente o capítulo VI - "Da História Social à História da Sociedade". Mas não se desconhece que o económico é uma esfera de intersecção social, pelo que não há razão para se descentrar o estatuto teórico da denominação História Económica e Social.

(7) - Ibidem: 123. De facto. Nenhum historiador económico pode evitar questões como as relativas à evolução económica e social da humanidade até ao presente. Ele tem que se deter sobre problemáticas como: Por que o percurso até à moderna sociedade industrial foi concluída em apenas uma parte do mundo? Quais mecanismos dessas mudanças, endógenas e/ou induzidas, existiram ou ainda existem? Quais forças sociais estiveram e/ou estão à frente do processo?

(8) - FURTADO, Celso, O Capitalismo Global , 4ª ed., São Paulo: Paz e Terra, 2000a.

(9) - FURTADO, Celso, Em Busca de Novo Modelo: Reflexões sobre a Crise Contemporânea, São Paulo: Paz e Terra, 2002, p. 72.

(10) - Ibidem: 72.

(11) - Ibidem: 72.

(12) - Ibidem: 72.

(13) - Basicamente, nesta parte, sigo a retrospectiva realizada por Fernando Henrique Cardoso a propósito das teorias do desenvolvimento. Ver CARDOSO, Fernando H., As Ideias e seu Lugar: Ensaios sobre as Teorias do Desenvolvimento , 2ª ed., Petrópolis: Vozes, 1995, nomeadamente o capítulo I, "Originalidade da Cópia: A Cepal e a Ideia de Desenvolvimento", inicialmente publicado em Working Papers , University of Cambridge, Center of Latin American Studies, nº 27, Jul/1977. No entanto, faço também uma incursão própria nas fontes em que ele se apoiou.

(14) - OHLIN, Bertil, Interregional and International Trade, Cambridge , Havard University Press, 1933.

(15) - HECKSHER, E., "The effects of foreign trade on the distribution of income", in American Economic Association, Readings in the Theory of International Trade , Philadelphia , 1949.

(16) - SAMUELSON, P., "International Trade and the Equalization of Factor Prices", in Economic Journal , June/1948.

(17) - Aliás, mesmo um defensor dos mecanismos de mercado, como Gottfried Haberler, desacredita, por exemplo, a formulação extremada de Samuelson a respeito, pelas tautologias de alguns dos seus supostos. Ele afirma que Samuelson incluiu entre as condições de validez de sua teoria certos supostos alheios à realidade, a exemplo da homogeneidade das funções de produção em todos os países que realizam comércio (níveis de conhecimentos tecnológicos, de capacitação, de clima, de condições físicas e sociais, etc.) cuja inexistência constitui a questão essencial das disparidades entre os países. Ver HABERLER, Gottfried, "A Survey of the International Trade Theory, in Special Papers in International Economics , nº 01, Princeton University , 1961.

(18) - FURTADO, Celso, O Mito do Desenvolvimento Econômico , 2ª ed., São Paulo: Paz e Terra, 1974, p. 77.

(19) - FURTADO, Celso, ob. cit. , 2002, p. 55.

(20) - Basicamente, cf. FURTADO, Celso, Teoria e Política do Desenvolvimento Econômico , 10ª ed., Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2000b, p 42-43.

(21) - OLIVEIRA, Francisco, "Introdução", in Celso Furtado , vol. da Colecção Grandes Cientistas Sociais, nº 33, São Paulo: Ática, 1983.

(22) - FURTADO, Celso, ob. cit., 2000, p. 197. Para captar a natureza das economias subdesenvolvidas, sublinha Furtado, é necessário ter em atenção tal peculiaridade. Neste sentido, tendo em perspectiva realidades como o chilena, diz: « Consideremos o caso típico de uma economia que recebe uma "alcunha" de capitalista, na forma de actividades produtivas destinadas à exportação. Por exemplo: uma exploração mineira, sob controle de empresa estrangeira que organize não somente a produção mas também a comercialização do produto. O impacto do novo sector produtivo nas estruturas preexistentes dependerá, fundamentalmente, da importância relativa da renda a que ele dê origem e que fique à disposição da colectividade. Depende, portanto, do volume de mão-de-obra que absorva, do nível do salário real médio e dos impostos que pague. O nível do salário real era e é determinado pelas condições de vida prevalecentes na região onde se instalam as novas empresas, sem conexão precisa com a produtividade do trabalho na nova actividade económica. Basta que o salário na empresa capitalista seja algo superior à média local para que a referida empresa se depare com uma oferta de mão-de-obra totalmente elástica. Assim sendo, o factor decisivo tende a ser o volume de mão-de-obra absorvida pelo núcleo capitalista» (Ibidem: 197). Mas, seguindo Furtado, a experiência demonstra que esse volume de mão-de-obra não atinge, via de regra, grandes proporções. « No caso das economias especializadas na exploração de minérios, dificilmente alcançará 5% da população em idade de trabalhar. Como a empresa está ligada à região onde se localizou quase que exclusivamente como agente criador de massa de salários, seria necessário que o montante dos pagamentos ao factor trabalho alcançasse grande importância relativa para provocar modificações na estrutura económica» (Ibidem: 197).

(23) - FURTADO, Celso, Os Ares do Mundo, Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1991, p. 154.

(24) - FURTADO, Celso, ob. cit., 2000b, p. 329-330.

(25) - FURTADO, Celso, ob. cit., 2002, p. 78.

(26) - Ibidem: 78.

(27) - Em tal perspectiva, os seus últimos textos são paradigmáticos, conforme, por exemplo, os já citados Em Busca de Novo Modelo O Capitalismo Global .

(28) - FURTADO, Celso, ob. cit., 2000a.

(29) - Ibidem: 33.

(30) - FURTADO, Celso, ob. cit., 2002.

(31) - Ibidem: págs. 79, 80, 81.

(32) - FURTADO, Celso, ob. cit. , 2000a, p. 69.

(33) - Ibidem: 77.

(34) - Ibidem 77.

(35) - A propósito da discussão sobre identidade, Claude Dubar produziu um trabalho que se tem constituído em referência internacional no campo. Ver DUBAR, Claude, La socialisation: construction des identités sociales et professionalles. Paris: Armand Colin Éditeur, 1991 (em 1995, foi publicada uma segunda edição revisada). Em português, há uma tradução realizada por Annette Pierrette, R. Botelho e Estela P. Ribeiro Lamas, sob a coordenação técnica e científica de José Alberto Correia e João Caramelo - ver DUBAR, Claude, A Socialização: Construção de Identidades Sociais e Profissionais , Porto: Porto Editora, 1997.

(36) - Ver ROUSSEAU, Jean-Jacques, "Do Contracto Social", in Colecção Os Pensadores , vol. I, tradução de Lourdes Santos Machado, São Paulo: Nova Cultural, 1997. Para uma compreensão ampliada da discussão sobre Estado e Sociedade, ver BOBBIO, Noberto & BOVERO, Michelangelo, Sociedade e Estado na Filosofia Política Moderna, 4ª edição, tradução de Carlos Nelson Coutinho, São Paulo: Brasiliense, 1994.

(37) - FURTADO, Celso, ob. cit ., 2000a, p. 72.

(38) - FURTADO, Celso, ob. cit. , 2002, p. 37.

(39) - Ibidem: 38.

(40) - Ibidem: 38.

(41) - Ibidem.

(42) - FURTADO, Celso, ob. cit. , 2000a, p. 76.

(43) - OLIVEIRA, Francisco, Aproximação ao Enigma: O que quer dizer Desenvolvimento Local?, São Paulo: Pólis/Programa Gestão Pública e Cidadania/EASP/FGV, 2001.

 

 

 


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